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Leitura de História

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A Batalha da Praça da Sé e a Polarização Política de 1934

A história da Batalha da Praça da Sé, ocorrida em 7 de outubro de 1934, é um marco expressivo da intensa polarização política vivida no Brasil durante a década de 1930. 

Naquele momento, o país, ainda abalado pelas mudanças sociopolíticas iniciadas com a Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio Vargas, estava profundamente dividido entre as ideologias extremas da direita integralista e da esquerda antifascista. 

O embate não era apenas um reflexo das tensões europeias, onde o fascismo e o comunismo ganhavam força, mas também uma manifestação local de uma disputa que ecoava nas ruas, nas rodas intelectuais e nos sindicatos.

A cidade de São Paulo, com sua classe operária crescente e uma elite tradicional em transição, tornou-se o epicentro desse conflito. De um lado, a Ação Integralista Brasileira (AIB), liderada por Plínio Salgado, representava o fascismo tropical, com suas raízes fincadas no nacionalismo católico ultraconservador. De outro, uma frente ampla de esquerdistas, que incluía comunistas, socialistas, anarquistas e defensores de outras vertentes progressistas, procurava deter o avanço do que viam como uma ameaça totalitária.

No dia da batalha, os integralistas planejavam realizar um comício na Praça da Sé, marcando os dois anos de sua fundação. Com seus uniformes verdes, logo apelidados de “galinhas verdes” pelos detratores, pretendiam celebrar a força do movimento. Contudo, os antifascistas souberam da mobilização e organizaram uma contra manifestação. 

Não havia uma liderança única entre os opositores, mas o propósito era claro: impedir a celebração integralista e mostrar que São Paulo não se renderia ao fascismo.

As faíscas ideológicas, que há tempos já causavam atritos em conferências, comícios e publicações de jornais, transformaram-se em uma verdadeira guerra de rua. Conforme os integralistas se reuniram na praça, gritos de “fora galinhas verdes” ecoavam.

 A resposta dos integralistas não tardou, e logo o confronto físico começou, culminando em uma batalha que envolveu não só os dois grupos, mas também a polícia, que tentava, sem sucesso, controlar a multidão.

A Praça da Sé, palco de tantos momentos históricos, tornou-se o cenário de uma das mais violentas disputas políticas da época. Integrantes da esquerda, como o militar João Cabanas e o comunista Joaquim Câmara Ferreira, organizaram a logística da resistência, distribuindo armamentos para enfrentar os integralistas. 

No lado oposto, os fascistas brasileiros também estavam preparados para o embate, e o resultado foi catastrófico: sete mortos, entre integralistas, policiais e manifestantes, além de dezenas de feridos.

A “revoada das galinhas verdes”, como a batalha ficou sarcasticamente conhecida, simbolizou uma vitória moral para os antifascistas, que conseguiram dispersar os integralistas e impedir a continuidade do comício. 

No entanto, o episódio não foi apenas uma disputa de força física, mas também de narrativas. Para a esquerda, a vitória na Praça da Sé consolidou um momento de resistência à crescente ameaça fascista. Para os integralistas, embora o evento tenha sido uma derrota momentânea, ele galvanizou ainda mais o movimento, que cresceu em números nos anos subsequentes.

O historiador Paulo Henrique Martinez, da Unesp, observa que o embate refletiu não apenas a disputa ideológica entre direita e esquerda, mas também as complexas relações políticas no Brasil daquela época. O integralismo, embora derrotado fisicamente nas ruas de São Paulo, permaneceu enraizado em várias instituições, como quarteis, associações religiosas e clubes empresariais. Além disso, o movimento encontrou respaldo em uma classe média que, temendo a ascensão do comunismo, via no fascismo uma possível solução para a ordem e o progresso.

Por outro lado, a frente única antifascista, que reunia diversas correntes de esquerda, também deixou seu legado. Foi essa mobilização plural que, em parte, alimentou a Aliança Nacional Libertadora (ANL), formada em 1935, e que buscava unir todas as forças progressistas contra o governo de Getúlio Vargas e o fascismo emergente. No entanto, a Intentona Comunista, tentativa de insurreição ocorrida no final daquele ano, foi rapidamente reprimida, resultando em uma onda de repressão que consolidou o controle autoritário de Vargas e adiou os sonhos revolucionários de muitos.

O período seguinte, conhecido como Estado Novo, consolidou a centralização do poder nas mãos de Vargas, que, ironicamente, flertou com o fascismo ao mesmo tempo em que reprimiu movimentos comunistas. A Batalha da Praça da Sé, nesse contexto, surge como um prenúncio das disputas que moldaram a política brasileira por décadas.

O fantasma do integralismo não desapareceu. Como Martinez aponta, embora banido das ruas, o movimento permaneceu nas estruturas sociais e políticas do Brasil. As ideias fascistas, muitas vezes adaptadas a um contexto local, continuam a ressoar nas instituições e entre setores da elite. O confronto na Sé, portanto, não foi apenas um evento isolado, mas parte de uma batalha muito maior, que reverberam em diferentes momentos da história brasileira.

A polarização política de 1934, marcada pela violência, pela mobilização popular e pelas disputas ideológicas, oferece uma janela para compreender a complexidade das forças que moldaram o Brasil contemporâneo. A batalha entre integralistas e antifascistas foi um reflexo das tensões globais, mas também de uma sociedade em transformação, onde novos atores políticos lutavam por espaço em meio à crise do liberalismo e o avanço do autoritarismo.



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