Coluna Prestes: o movimento que buscou reformar a política brasileira, simbolizando resistência e luta por justiça e modernização na década de 1920.
Na década de 1920, o Brasil vivia um momento de grande insatisfação política e social. A República Velha, marcada pela alternância de poder entre as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais, sustentava-se num sistema político apelidado de “política do café com leite”. Este sistema de revezamento era mantido às custas de uma elite agrária que decidia as eleições e controlava os rumos do país, perpetuando a desigualdade e a exclusão. Nesse cenário, a classe militar, especialmente os jovens tenentes, passou a questionar a ordem estabelecida e buscar formas de transformar a estrutura política brasileira.
O movimento tenentista surgiu como um dos principais símbolos dessa contestação. Ele é reconhecido como um fenômeno difuso, mas profundamente influente, que manifestava o desejo de modernizar e democratizar a política nacional. Episódios como o Levante do Forte de Copacabana, em 1922, e a Revolta Paulista de 1924 foram as primeiras expressões dessa inquietação, que contagiava os quarteis e ecoava as demandas de uma juventude militar inconformada com as condições de vida e trabalho no país. A criação da Coluna Prestes, no final de 1924, representou um avanço significativo desse movimento, com uma organização militar que marchou pelo Brasil afora, defendendo mudanças sociais, políticas e educacionais que reverberam até hoje.
A Coluna Prestes, liderada pelo jovem capitão Luís Carlos Prestes, é considerada a maior expressão do movimento tenentista. Em outubro de 1924, Prestes, à frente do 1º Batalhão Ferroviário de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, decidiu mobilizar tropas rumo ao oeste paranaense, onde esperava encontrar os remanescentes da Revolta Paulista de 1924. Seu objetivo inicial era claro: fortalecer a resistência militar contra o governo de Artur Bernardes, que governava com um estado de sítio instaurado, numa tentativa de sufocar qualquer oposição. Entretanto, o movimento se tornou muito mais do que um simples levante militar.
A marcha liderada por Prestes e pelo major Miguel Costa percorreu aproximadamente 25 mil quilômetros pelo território nacional ao longo de dois anos. A jornada, que ficou marcada na história como Coluna Prestes ou Coluna Miguel Costa-Prestes, levou cerca de 1.500 combatentes – entre eles, aproximadamente 50 mulheres – a cruzar regiões inóspitas do Brasil. Esses revolucionários, movidos por um ideal de justiça social e repulsa à corrupção que permeava as esferas políticas, defendiam reformas que incluíam o voto secreto, a educação pública para todos e o combate à miséria. A Coluna tornou-se uma força itinerante de oposição, resistindo à repressão do governo e buscando apoio entre as populações rurais que encontravam pelo caminho.
Para o historiador Paulo Henrique Martinez, a Coluna representava a tentativa de “corrigir” o sistema político brasileiro, que era visto como corrupto e desprovido de valores republicanos. Na visão dos tenentes, a política nacional deveria ser orientada por uma disciplina rígida e princípios de igualdade, em uma “moralização” que refletia um ideal militarizado. Esse desejo por um Estado mais forte e orientado por valores republicanos resgatava a doutrina positivista, que, embora autoritária, buscava impor uma ordem para reorganizar a sociedade brasileira. Esses valores ecoavam ainda a visão dos tenentes, que enxergavam a si próprios como salvadores da pátria, defensores da moral e da dignidade nacional.
Entretanto, a Coluna não se limitou a críticas abstratas. Ao longo de sua marcha, Prestes e seus comandados encontraram realidades duras e, em muitos casos, agiram como justiceiros improvisados. A Coluna passava por vilarejos abandonados pelo poder público e, ali, defendia pequenos agricultores contra os grandes coronéis, queimando processos judiciais que ameaçavam as posses dos camponeses e, em algumas situações, distribuindo medicamentos e libertando presos. Esses gestos, ao mesmo tempo altruístas e estratégicos, contrastavam com a imagem negativa que o governo buscava construir sobre o movimento, acusando-os de subversão e violência.
Apesar de seus ideais elevados, a Coluna Prestes não conseguiu atingir seu objetivo principal: a derrubada do governo de Artur Bernardes. Quando o mandato de Bernardes se encerrou em 1926, já não havia motivos para o movimento prosseguir. A Coluna, desgastada física e emocionalmente, enfrentava dificuldades crescentes, e muitos de seus integrantes decidiram exilar-se na Bolívia e na Argentina. Embora não tenham concretizado a mudança imediata que desejavam, o impacto da Coluna foi profundo e duradouro. O movimento revelou as fragilidades do sistema político brasileiro e abriu caminho para a Revolução de 1930, que, sob a liderança de Getúlio Vargas, representaria uma transformação significativa do Estado.
Esse movimento tenentista, com suas nuances e contradições, influenciou a estrutura de poder no Brasil, reforçando a presença militar na política e consolidando o papel do Estado como tutor da sociedade. Segundo o historiador Victor Missiato, as reivindicações dos tenentes, embora diversas e nem sempre coerentes, compartilhavam o objetivo de uma modernização radical do Estado, com ênfase na educação e na formação política da população. A Coluna Prestes, nesse sentido, foi não apenas uma marcha física, mas também uma jornada simbólica que colocou em questão as bases da República Velha e inspirou movimentos posteriores.
Após a dispersão da Coluna, Prestes e Costa seguiram caminhos distintos. Prestes, conhecido como o “Cavaleiro da Esperança”, aderiu ao Partido Comunista Brasileiro e tornou-se um dos mais emblemáticos líderes de esquerda do país. Sua militância comunista levou-o à prisão e ao exílio, mas também lhe rendeu notoriedade, sendo retratado na biografia de Jorge Amado e simbolizando a luta contra as injustiças sociais. Em contraste, Miguel Costa, envolvido nos movimentos revolucionários de 1930 e 1932, manteve-se atuante na política, embora seu papel tenha sido ofuscado pela crescente influência de Prestes no imaginário revolucionário.
Em suma, a Coluna Prestes não foi apenas um episódio militar; foi um símbolo de resistência contra um sistema injusto e uma tentativa de repensar os rumos da República. O movimento plantou sementes para futuras lutas e transformações políticas, deixando marcas que ecoam até hoje no cenário político brasileiro. Sua influência atravessou gerações, e seu legado, por vezes idealizado, continua a despertar reflexões sobre a relação entre o poder militar e a política, sobre a justiça social e a luta por direitos no Brasil.