Expectativas para eleições dos EUA em 2024: A apuração pode ser lenta e complicada devido à fragmentação do processo, recontagens e tensão política.
A contagem de votos nas eleições americanas de 2024, prestes a começar, já carrega consigo uma atmosfera de apreensão. A complexidade do sistema eleitoral e a polarização política crescente sugerem que a apuração dos resultados será tudo, menos tranquila. Observadores eleitorais e especialistas em democracia expressam preocupações sobre a fragmentação do processo, a possibilidade de recontagens prolongadas e as ameaças que cercam um processo historicamente descentralizado e potencialmente tumultuado.
A eleição nos Estados Unidos é marcada pelo sistema de Colégio Eleitoral, onde 538 delegados são distribuídos entre os estados, e o candidato que conquistar 270 deles vence. Em sua essência, a condução desse processo reflete a natureza do federalismo norte-americano, onde cada estado é responsável por organizar e apurar suas próprias eleições. Esse modelo, que já foi celebrado como uma forma de manter a diversidade e autonomia estatal, está se tornando, ao longo dos anos, uma fonte de vulnerabilidade e desconfiança. Em 2024, a ausência de uma autoridade central que coordene e padronize a apuração leva os observadores a preverem uma série de problemas, principalmente nos chamados estados-pêndulo.
Federalismo e a Fragmentação do Processo Eleitoral
A descentralização do sistema eleitoral americano, que permite que cada estado adote suas próprias regras e métodos de apuração, tem o potencial de tornar a contagem de votos uma tarefa longa e fragmentada. Essa independência, que poderia ser considerada uma expressão de liberdade democrática, já demonstrou ser também fonte de problemas, principalmente em eleições polarizadas como as que se apresentam. Enquanto estados como a Califórnia garantem ao eleitor um ambiente de conforto e segurança para votar, estados como a Carolina do Norte enfrentam desafios básicos, como longas filas, afetando diretamente o direito ao voto.
Esse contexto reflete o federalismo que define o país, mas levanta questões sobre até que ponto a autonomia de cada estado pode contribuir para um processo eleitoral que favoreça a transparência e a credibilidade nacional. Um observador anônimo da eleição ressaltou que a disparidade entre os estados em termos de infraestrutura e organização lembra, em alguns aspectos, os desafios enfrentados em democracias mais frágeis da América Latina.
Recontagens e a Possibilidade de Demoras Prolongadas
Em 2024, sete estados-pêndulo – áreas que tendem a decidir a eleição devido ao seu histórico de alternância de votos entre partidos – atraem atenção especial. As pesquisas sugerem uma disputa acirrada entre Kamala Harris e Donald Trump, com possíveis margens de vitória tão estreitas que algumas dessas apurações podem exigir recontagens obrigatórias. Em estados como Arizona e Pensilvânia, recontagens são exigidas quando a diferença entre os candidatos fica abaixo de 0,5% dos votos. Já o Michigan tem sua própria regra, que determina a recontagem quando a diferença é inferior a dois mil votos.
Dado o histórico das últimas eleições, é provável que a recontagem e as auditorias prolonguem a divulgação do resultado final em caso de disputas apertadas. Especialistas alertam que, quanto mais demorada e disputada for a contagem, maior será o risco de discursos inflamados questionando a legitimidade do processo.
Risco de Declaração Prematura de Vitória
Outro fator de incerteza é o comportamento dos candidatos em relação à apuração parcial dos votos. Em 2020, Donald Trump, enquanto aguardava o resultado, já havia declarado vitória na noite da eleição, criando um cenário de expectativa que terminou com o resultado final saindo dias depois, frustrando suas expectativas. Esse tipo de declaração apressada pode incitar um ambiente de desconfiança e alimentar teorias da conspiração.
Michael Wahid Hanna, chefe do programa sobre os EUA da consultoria International Crisis Group, afirma que a repetição de declarações prematuras de vitória pode “criar um pretexto para questionar a legitimidade do processo eleitoral e incentivar ações de contestação”.
A Judicialização da Eleição e o Poder dos Tribunais
A judicialização das eleições americanas é um aspecto que merece destaque. Em 2024, já se observa um número recorde de ações judiciais relacionadas ao processo eleitoral, mesmo antes do dia de votação. No estado da Geórgia, por exemplo, uma lei foi aprovada para que funcionários realizassem uma contagem manual dos votos como forma de conferir a contagem eletrônica. Esse procedimento adicional, além de atrasar a divulgação dos resultados, acrescenta uma camada de vulnerabilidade, expondo o processo a erros humanos. A regra, porém, foi recentemente suspensa pela justiça, evitando o agravamento de possíveis divergências entre os resultados.
Outro caso que gera preocupação é a ação contra Elon Musk, acusado de influenciar eleitores oferecendo prêmios aos que assinarem uma declaração de apoio à liberdade de expressão e ao porte de armas. O caso reflete a importância das redes sociais e de influenciadores no processo eleitoral, uma nova forma de influência que não era tão comum em pleitos passados. Musk argumenta que não está comprando votos, mas sim promovendo sua visão política, levantando questões éticas e legais sobre a capacidade de empresas e figuras públicas moldarem o processo democrático.
Segurança e Medidas de Prevenção contra Ameaças
Desde a última eleição presidencial, a segurança dos oficiais eleitorais e a proteção dos locais de apuração têm sido prioridades crescentes. Em estados como o Arizona, caixas de correio de votos foram incendiadas recentemente, afetando centenas de votos. A necessidade de proteção é tão crítica que algumas áreas criaram verdadeiros “bunkers” para proteger os centros de contagem.
As autoridades locais têm investido em maior presença policial e até mesmo helicópteros de vigilância. Os desafios de segurança envolvem proteger não só a integridade dos votos, mas também a integridade física dos trabalhadores eleitorais. As ameaças contra oficiais em Maricopa County, um condado decisivo no Arizona, são um exemplo do quão polarizada e perigosa pode ser a atmosfera em torno de uma eleição disputada.
Desinformação e o Perigo da Violência Eleitoral
As redes sociais desempenham um papel crucial na disseminação de informações – e desinformações. A expansão das fake news tem o potencial de criar um ambiente de incredulidade, afetando a confiança no processo eleitoral. Em uma pesquisa recente, 20% dos americanos afirmaram concordar que o uso da violência pode ser necessário para colocar o país “no rumo certo”. Isso mostra que a desinformação é capaz de instigar uma atitude de ceticismo e até mesmo uma disposição para a violência.
A situação no Arizona é emblemática, onde ameaças e ataques físicos já foram registrados. Oficiais locais admitem que a segurança dos trabalhadores eleitorais é uma das prioridades em 2024, refletindo uma preocupação nunca vista em eleições anteriores.
Conclusão: Um Sistema à Prova de Testes ou à Beira do Caos?
As eleições americanas de 2024 revelam tanto a força quanto a fragilidade do sistema democrático nos Estados Unidos. O desafio de manter um processo transparente, ordenado e confiável diante de um cenário de extrema polarização e desconfiança é monumental. A combinação de desinformação, ameaças de violência, tentativas de manipulação e a própria natureza descentralizada do sistema são provas de que o processo democrático americano enfrenta um de seus maiores testes de resistência.
Os próximos dias serão decisivos não apenas para a escolha do próximo presidente dos Estados Unidos, mas para a própria imagem da democracia americana. Observadores eleitorais, oficiais e cidadãos esperam que o processo se mantenha pacífico e que o sistema possa demonstrar a força de suas instituições. Porém, como muitos apontam, as tensões latentes e a falta de padrões nacionais unificados tornam esse caminho incerto. Se a democracia americana passar por essa prova de fogo, reforça sua posição no mundo; se falhar, os efeitos serão sentidos não apenas no território americano, mas globalmente.