Leitura de História

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A Conquista Normanda e suas Transformações na Inglaterra: Um Olhar Detalhado

Em 1066, a Inglaterra enfrentou uma mudança monumental com a invasão de Guilherme, duque da Normandia, que resultou na queda da dinastia anglo-saxã e no estabelecimento de um novo regime. Esta invasão não foi apenas um evento militar decisivo, mas um catalisador para uma série de transformações profundas na sociedade inglesa. O impacto dos normandos na Inglaterra é evidente em vários aspectos, desde a estrutura de posse de terras até mudanças culturais e administrativas. A seguir, exploraremos cinco das maiores mudanças que ocorreram após a Conquista Normanda.

1. Um Novo Sistema de Posse de Terras

A primeira e mais imediata mudança foi a reestruturação do sistema de posse de terras. Após a vitória na Batalha de Hastings, Guilherme confiscou as propriedades dos anglo-saxões derrotados e implementou um novo sistema feudal. Nesse novo arranjo, Guilherme possuía toda a terra da Inglaterra. Ele reservou uma parte considerável para si, distribuiu outra parte à Igreja e concedeu o restante a seus barões normandos, que tinham a obrigação de lhe prestar lealdade e fornecer tropas.

Este novo sistema feudal foi marcado pela concentração de terras nas mãos de uma nova classe dominante. Os barões, por sua vez, repartiram parte de suas terras a cavaleiros que também juraram fidelidade. Esses cavaleiros, então, concederam pequenas parcelas de terra a camponeses, que trabalhavam nas terras e entregavam uma parte de sua produção como tributo.

O impacto desse sistema foi significativo. Criou-se uma nova hierarquia social onde a posse de terras era a principal fonte de poder e status. Em vez de ser a linhagem que determinava a posição social, agora era a posse de imóveis que definia o status. O resultado foi a formação de uma nova classe dominante de nobres normandos que se tornaram os pilares da sociedade inglesa.

2. A Formação de uma Nova Classe Dominante

O “Domesday Book”, um registro detalhado encomendado por Guilherme em 1085, oferece uma visão detalhada da redistribuição de terras que ocorreu após a Conquista. O levantamento revelou a extensão da concentração de terras nas mãos dos normandos. O valor total das terras registradas foi de cerca de £73.000. A Igreja possuía aproximadamente 26% desse território, enquanto o restante estava predominantemente nas mãos dos normandos.

O rei Guilherme detinha a maior parte, com propriedades que cobriam cerca de 17% da Inglaterra. Entre 150 e 200 barões possuíam outros 54% das terras, enquanto uma pequena elite, composta por cerca de 70 homens, detinha propriedades valiosas, variando de £100 a £650. Os dez maiores magnatas controlavam feudos imensos, com valores que chegavam a £3.240.

Os subinquilinos, ou seja, aqueles que possuíam terras menores, eram em grande parte normandos. Em contraste, os subinquilinos nativos detinham apenas 5% das terras e, na maioria dos casos, possuíam apenas uma pequena propriedade. Muitos desses nativos eram sobreviventes que conseguiram manter suas terras ancestrais, enquanto outros prosperaram sob o novo regime.

3. A Mudança no Sistema de Herança

Outra mudança importante foi o padrão de herança de propriedades. Na sociedade anglo-saxã, as terras eram geralmente divididas entre os filhos sob o princípio da “herança partidária”. No entanto, na Normandia, existia um sistema diferente: a primogenitura, onde as propriedades eram passadas para o filho primogênito.

Guilherme adotou esse sistema normando na Inglaterra. Ao morrer, ele dividiu seus domínios da seguinte forma: a Normandia foi deixada para seu filho mais velho, Robert Curthose, enquanto a Inglaterra foi legada ao seu segundo filho, William Rufus. O filho mais novo, Henrique, recebeu 5.000 libras de prata, mas nenhuma terra.

Os barões normandos seguiram o exemplo de Guilherme, geralmente concedendo suas terras herdadas ao primogênito e as terras adquiridas ao segundo filho. Essa prática se espalhou rapidamente, e em menos de um século após a Conquista, a primogenitura masculina se tornou a norma, mesmo para arrendamentos militares menores.

4. O Surgimento de um Sistema Parlamentar de Dois Níveis

A estrutura da nobreza anglo-normanda introduziu um novo padrão na administração política. Na Europa continental, a nobreza era tipicamente uma casta única, mas na Inglaterra, dois grupos distintos se formaram: os magnatas, que possuíam vastas extensões de terras diretamente do rei, e a nobreza menor, que detinha terras dos barões.

Os magnatas tinham privilégios superiores e participavam dos conselhos reais estabelecidos por Guilherme para substituir o antigo Witan anglo-saxão. Com o tempo, a nobreza menor também se envolveu na administração, preparando o terreno para um sistema parlamentar de dois níveis. Os magnatas sentavam-se na Câmara dos Lordes, enquanto a nobreza menor, agora cada vez mais numerosa, era eleita para a Câmara dos Comuns.

Este sistema estabeleceu as bases para a estrutura parlamentar que, com modificações ao longo dos séculos, ainda persiste na Inglaterra moderna.

5. Uma Nova Paisagem Arquitetônica

A invasão normanda também trouxe uma transformação física significativa. Guilherme estabeleceu sua base em Hastings e imediatamente começou a construção de uma fortificação de madeira conhecida como “motte-and-bailey”. Esta construção era composta por um monte artificial cercado por uma paliçada e uma vala. Este estilo de fortificação se espalhou rapidamente pela Inglaterra, e até 1100, mais de 500 desses castelos foram erguidos.

Além dos castelos, os normandos também construíram mosteiros e igrejas, que foram fundamentais para consolidar sua autoridade e promover a paz com Deus. Em 1066, havia cerca de 45 mosteiros beneditinos na Inglaterra, mas até 1150, outras 95 casas religiosas haviam sido fundadas. As igrejas paroquiais se proliferaram, substituindo a rede mais restrita de igrejas anglo-saxãs e deixando um legado de muitos edifícios que ainda existem.

Um Processo Bidirecional

A Conquista Normanda deixou uma marca duradoura na Inglaterra, mas também transformou os próprios normandos. Com o tempo, os descendentes dos invasores perderam sua identidade normanda original através de casamentos mistos e a assimilação cultural. A língua inglesa substituiu o francês normando, e em 1362, com a aprovação da Lei de Linguagem de Eduardo III, o inglês foi oficialmente reconhecido como a “língua do país”.

Essa transformação mútua é um testemunho da complexidade das mudanças provocadas pela Conquista Normanda, que moldaram a Inglaterra medieval e, eventualmente, contribuíram para o desenvolvimento da nação como conhecemos hoje.

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