No artigo de hoje vamos conhecer um pouco sobre a divisão do império Turco-Otomano após a Primeira Guerra Mundial.
No final de 1914, quando havia um impasse nas frentes oriental e ocidental da Primeira Guerra Mundial, um grupo dentro do governo britânico conhecido como “orientais” começou a pensar num ataque ao Império Otomano para tirar os otomanos da guerra.
Planejavam abrir uma nova frente no sudeste da Europa, para a qual os alemães teriam de desviar tropas.
A ideia disso, mesmo antes de acontecerem os desembarques em Galípoli, provocou o que era então chamado de “Questão Oriental”: o que aconteceria depois de os otomanos terem sido derrotados?
Para prosseguir e responder a essa questão, o governo britânico criou um comité.
O Coronel Mark Sykes era o membro mais jovem do comitê e passou a maior parte do tempo de todos os seus membros no assunto, pensando nas opções.
Quem foi Mark Sykes?
Sykes foi deputado conservador por quatro anos em 1915. Ele era filho de Sir Tatton Sykes, um baronete de Yorkshire muito excêntrico que tinha três alegrias na vida: pudim de leite, arquitetura de igreja e manutenção de seu corpo em temperatura constante.
Sir Tatton Sykes levou Mark ao Egito pela primeira vez quando ele tinha cerca de 11 anos.
Mark ficou impressionado com o que viu, como muitos turistas ficaram desde então, e voltou lá várias vezes quando era jovem e quando era estudante.
Depois de conseguir um emprego como adido na Embaixada Britânica em Constantinopla, o jovem Sykes voltou várias vezes ao Egito.
Tudo isso culminou em 1915 com a publicação de seu livro A Última Herança dos Califas (The Caliphs’ Last Heritage: A Short History of the Turkish Empire), que era em parte um diário de viagem e em parte uma história da decadência do Império Otomano.
O livro o consagrou como um especialista no assunto naquela parte do mundo.
Mas ele era realmente um especialista?
Na verdade. Mark Sykes era o que consideramos um turista aventureiro. Você teria a impressão (como as pessoas no gabinete britânico) de que ele falava várias línguas orientais, incluindo árabe e turco.
Mas, na verdade, ele não conseguia falar nada além de dizer marhaba (olá) ou shukran (obrigado) e coisas assim.
Mas o livro, que tem cerca de cinco centímetros de espessura, deu-lhe esse ar de estudioso, sem falar que ele já esteve naquela parte do mundo.
Isso por si só era uma coisa relativamente rara. A maioria dos políticos britânicos não esteve lá.
Eles teriam até lutado para colocar muitas das vilas e cidades mais importantes em um mapa da área.
Portanto, em contraste com as pessoas com quem estava lidando, Sykes sabia muito mais sobre o assunto do que eles, mas não sabiam nada.
O estranho é que as pessoas que sabiam disso tinham, em geral, sido enviadas para o Cairo ou para Basra, ou estavam baseadas em Deli.
Dividindo o doente da Europa em dois
Esse era tão obcecado pela questão da divisão do império Turco-Otomano, que seus pares o chamavam de “O Mulá Louco”.
Sykes gozava de influência porque ainda estava no poder e sabia alguma coisa sobre o assunto. Mas havia muitas pessoas que sabiam mais sobre as questões do que ele.
Apesar de autoproclamar-se um “expert” no Oriente Médio e de ser um protegido de Lord Kitchener, Sykes era um político de modesta expressão e pouca influência no governo de guerra da Grã-Bretanha.
Fora seu papel na criação do Arab Bureau, era visto como uma figura de segundo time. Ele teria sido uma escolha conveniente para atuar nas negociações com a França sobre o futuro do Oriente Médio pois certamente defenderia bravamente os direitos da Coroa na região, mas, se as negociações falharem, poderia ser facilmente descartado, com a desculpa de que não representava exatamente as políticas do governo de H. H. Asquith.
O comité criado para determinar o interesse estratégico da Grã-Bretanha no Médio Oriente finalizou as suas opiniões em meados de 1915 e Sykes foi enviado ao Cairo e a Deli para perguntar aos responsáveis britânicos o que pensavam sobre as ideias.
O comité inicialmente pensou em dividir o Império Otomano ao longo das suas linhas provinciais existentes e criar uma espécie de sistema balcânico de mini-estados em que a Grã-Bretanha pudesse então controlar.
Mas Sykes teve uma ideia muito mais clara.
Ele propôs dividir o império em dois, “ao longo da linha que ia do E no Acre ao último K em Kirkuk”, sendo esta linha na prática um cordão defensivo controlado pelos britânicos em todo o Médio Oriente que protegeria as rotas terrestres.
Para a Índia. E, surpreendentemente, todos os responsáveis do Egipto e da Índia concordaram com a sua ideia e não com a ideia da maioria do comité.
Então ele voltou para Londres dizendo: “Bem, na verdade, ninguém gosta da sua ideia, mas eles gostam da minha ideia deste cinturão de país controlado pelos ingleses”, essa foi a frase que ele usou, que iria da costa do Mediterrâneo até o fronteira persa, e agir como uma forma de manter os invejosos rivais europeus da Grã-Bretanha longe da Índia.
Os britânicos viam os franceses como seus principais competidores pelos territórios otomanos no Oriente Médio.
Com as recomendações Maurice de Bunsen, Sykes se reuniu com o representante francês, François Georges-Picot, para negociar um acordo anglo-francês sobre a divisão do espólio otomano, bem antes do fim da guerra.
O que, segundo o almirante Hall, Diretor de Inteligência Naval, era como “tirar a pele do urso com o urso ainda vivo”.
Em maio de 1916, essas negociações seriam concluídas com o chamado acordo Sykes-Picot, que atribuiu territórios e zonas de influência à Grã-Bretanha, França, Rússia e Itália. A Palestina foi atribuída a uma administração internacional “especial”.
O petróleo desempenhou um papel importante nesta decisão britânica?
Os britânicos sabiam da existência de petróleo na Pérsia, hoje no Irão, mas naquela altura não tinham noção da quantidade de petróleo que havia no Iraque.
Portanto, o que é bizarro no acordo Sykes-Picot é que não se trata de petróleo.
Na verdade, trata-se do facto de o Médio Oriente ser uma encruzilhada estratégica entre a Europa, a Ásia e a África.
Aos franceses caberia um território do sudeste da atual Turquia até o Líbano, passando pelo norte do Iraque e pela Síria. Os britânicos regeriam o sul e o centro do Iraque. As terras contidas entre esses dois territórios – englobando a atual Síria, a Jordânia, o Iraque ocidental e o nordeste da Península Árabe – seriam um reino árabe sob mandato anglo-francês.
Também a Alemanha desempenhou um papel pouco louvável nessa negociação. Aliada do Império Otomano, ela queria enfraquecer por meios militares os seus inimigos na Primeira Guerra. Juntamente com o califa de Istambul, autoridade religiosa suprema dos sunitas, os alemães conclamaram os árabes à jihad, a “guerra santa” contra os britânicos.
Estes, em contrapartida, selaram uma aliança com o xerife Hussein bin Ali, segunda maior autoridade religiosa depois do califado, na qualidade de guardião das cidades sagradas de Meca e Medina, na atual Arábia Saudita.
Domínio anglo-francês sob fachada árabe
Em outubro de 1915, Henry McMahon, alto comissário da Grã-Bretanha no Egito, fez uma oferta sedutora ao sharif Hussein: se os árabes apoiassem seu país, este os ajudaria a fundar seu próprio reino. “A Grã-Bretanha está pronta a reconhecer e apoiar a independência dos árabes dentro dos territórios nos limites e fronteiras propostos pelo xarife de Meca”, declarava McMahon numa carta.
A aliança foi firmada. O líder dos árabes era o filho do xerife, Faisal bin Hussein. Apoiado pelo agente britânico Thomas Edward Lawrence – conhecido como “Lawrence da Arábia” – ele conseguiu forçar a retirada dos otomanos.
No entanto, ele se enganava. A França e a Grã-Bretanha se aferram à divisão territorial já acordada: deveria haver Estados árabes, sim, mas sob influência anglo-francesa.
Como comentou o então ministro do Exterior britânico, George Curzon, a questão era ocultar os interesses econômicos de seu país atrás de uma “fachada árabe”, “governada e administrada sob direção britânica, controlada por um maometano nato e, se possível, por uma equipe árabe”
O Acordo que levou ao Caos
O acordo entre Skyes e Picot é considerado um dos fatores do atual caos no Oriente Médio.
A importância dos pactos firmados durante a Conferência de Paris foi abrangente e de longo alcance. Além de resultar na fundação da Síria e do Iraque, um mandato da Liga das Nações ratificado em 1923 confirmava a criação de um novo Estado, o Líbano.
Outro mandato previa “o estabelecimento de um Lar Nacional para o povo judaico na Palestina”, base para o futuro Estado de Israel. Em Paris, Faiçal declarará: “Eu asseguro que nós, árabes, não guardamos qualquer ressentimento étnico ou religioso contra os judeus, como o que infelizmente predomina em outras partes do mundo.” Contudo, essa boa vontade logo fracassaria diante de uma realidade cruel.
Também em 1923, a Grã-Bretanha separou a Transjordânia da Palestina, criando as bases para a atual Jordânia. Já em 1899 os ingleses haviam transformado o Kuwait em seu protetorado. Após o fim da Primeira Guerra, o declararam “emirado independente sob proteção britânica”.