Leitura de História

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A Evolução do Parlamento Inglês: Do Nascimento à Representação Democrática

A formação do Parlamento Inglês não pode ser atribuída a uma única data ou evento específico. Em vez disso, o surgimento do Parlamento no início do século XIII foi um processo gradual e complexo, impulsionado pela necessidade de limitar o poder absoluto do monarca. O contexto histórico que levou à criação e evolução desta instituição é tão fascinante quanto os eventos que marcaram seu desenvolvimento inicial.

A Ascensão do Parlamento: Contexto Histórico

A origem do Parlamento Inglês está intrinsecamente ligada à Magna Carta, um documento assinado pelo Rei João em 1215. Este tratado histórico estabeleceu limites claros à autoridade do monarca e introduziu a ideia de que o rei não poderia governar sem o consentimento de seus súditos. Embora a Magna Carta não tenha criado o Parlamento diretamente, ela estabeleceu um precedente fundamental para a participação dos barões e clérigos na governança do reino.

O primeiro monarca a governar sob as novas restrições impostas pela Magna Carta foi Henrique III. Seu reinado foi marcado por uma série de reuniões e assembleias que eventualmente levariam à formação do Parlamento como o conhecemos. A necessidade de arrecadar impostos e obter apoio para as campanhas militares fez com que Henrique III convocasse assembleias regulares, que eram precursoras do Parlamento.

As Primeiras Reuniões Parlamentares

Em janeiro de 1236, Henrique III convocou uma assembleia em Westminster. Este encontro tinha dois objetivos principais: primeiro, testemunhar seu casamento com Eleanor de Provença e, segundo, discutir assuntos cruciais do reino. No entanto, chuvas fortes inundaram Westminster, forçando a assembleia a se deslocar para o Merton Priory, perto de Wimbledon, onde as discussões prosseguiram.

O destaque dessa reunião foi a proposta de uma nova codificação das leis do reino. Durante esse encontro, a assembleia discutiu e aprovou novos estatutos, marcando o início da transformação dessas reuniões em um órgão legislativo. Curiosamente, no mesmo ano, a palavra “parlamento”, derivada do termo francês “parler” que significa “discutir”, começou a ser usada para descrever essas assembleias.

Em 1237, Henrique III convocou novamente o parlamento, desta vez em Londres, para solicitar um imposto. Ele precisava de fundos para pagar seu casamento e dívidas acumuladas. Embora o parlamento tenha concordado em fornecer o imposto, estabeleceu condições rigorosas sobre como o dinheiro deveria ser coletado e utilizado. Este evento marcou o último imposto significativo que Henrique III recebeu do parlamento por décadas, já que suas exigências subsequentes foram cada vez mais restritivas e interferiram na sua autoridade.

A Ascensão de Eleanor de Provença e a Inclusão de Novos Representantes

À medida que Henrique III enfrentava dificuldades políticas e financeiras, as preocupações de diferentes camadas da sociedade começavam a ganhar destaque. Cavalheiros, agricultores e moradores urbanos passaram a exigir proteção contra abusos e uma justiça mais eficiente. Eles acreditavam que a Magna Carta deveria se aplicar a todos os governantes, não apenas ao rei. Henrique concordou com essas demandas.

Em 1253, Henrique III foi à Gasconha para enfrentar uma revolta liderada por Simon de Montfort, o governador que havia nomeado. Temendo uma guerra iminente, Henrique pediu à sua regente, a rainha Eleanor de Provença, que convocasse o parlamento para solicitar um imposto especial. Na época, Eleanor estava grávida e deu à luz uma filha pouco depois que Henrique partiu.

Recebendo as instruções do marido um mês após o parto, Eleanor convocou o parlamento, tornando-se a primeira mulher a fazê-lo. O parlamento se reuniu, mas enfrenta desafios significativos. Embora os barões e clérigos desejassem ajudar, eles não representavam efetivamente os interesses das camadas mais baixas da sociedade. Em resposta, Eleanor decidiu consultar diretamente esses grupos.

Em 14 de fevereiro de 1254, Eleanor ordenou que os xerifes dos condados elegessem dois cavaleiros para representar cada região e se dirigissem a Westminster para discutir o imposto e outros assuntos locais. Esse foi um parlamento inovador, com um mandato democrático inédito, embora não tenha sido totalmente bem-sucedido. A reunião foi adiada devido ao atraso de alguns senhores seniores, e o imposto não foi aprovado. Simon de Montfort, ainda ressentido com o rei, afirmou não saber sobre a guerra na Gasconha.

A Origem do Governo Democrático e os Reformadores Radicais

Em 1258, Henrique III enfrentava uma grave crise financeira e foi forçado a aceitar as exigências do parlamento para reformas substanciais no governo. As Disposições de Oxford foram elaboradas, estabelecendo o parlamento como uma instituição oficial do estado. De acordo com essa constituição, o parlamento deveria se reunir anualmente em intervalos regulares e contar com um comitê permanente colaborando com o conselho do rei.

No entanto, dois anos depois, as relações entre Henrique e os reformadores radicais liderados por Simon de Montfort se deterioraram. A disputa principal era se o parlamento seria uma prerrogativa real ou um instrumento de governo republicano. Em 1264, Simon de Montfort liderou uma rebelião bem-sucedida, transformando a Inglaterra em uma monarquia constitucional, com o rei funcionando como uma figura de proa.

Em janeiro de 1265, Simon convocou o parlamento e, pela primeira vez registrada, permitiu que as cidades enviassem representantes. Esse passo significativo reconheceu o apoio político das cidades, refletindo uma mudança na natureza do governo. A Inglaterra estava em um estado revolucionário, e o parlamento se tornou um símbolo de uma nova forma de governança, afastada da autoridade absoluta do monarca.

A Revisão Histórica e a Exclusão de Eleanor de Provença

Historiadores vitorianos, ao revisitar o início da democracia parlamentar, frequentemente ignoraram as contribuições significativas de Eleanor de Provença. Essa omissão foi, em parte, motivada pelo desejo dos vitorianos de destacar uma narrativa distintamente inglesa para rivalizar com a Revolução Francesa de 1789. Eleanor, que não tinha vínculos prévios com a Inglaterra e cuja rebelião foi alimentada por sentimentos anti-estrangeiros, foi muitas vezes negligenciada.

Os vitorianos, céticos dos excessos da Revolução Francesa, preferiram enfatizar a figura de Simon de Montfort como o verdadeiro precursor da democracia parlamentar. Embora Simon tenha desempenhado um papel crucial, a contribuição de Eleanor na inclusão de representantes locais e na ampliação da base representativa do parlamento foi significativa e deveria ser reconhecida na história.

A evolução do Parlamento Inglês é um testemunho de como instituições fundamentais podem se desenvolver ao longo do tempo, moldadas por crises políticas, pressões sociais e reformas radicais. Desde as primeiras assembleias convocadas por Henrique III até a transformação da Inglaterra em uma monarquia constitucional sob Simon de Montfort, o Parlamento desempenhou um papel crucial na configuração do governo representativo.

O papel de Eleanor de Provença, frequentemente ignorado na narrativa histórica predominante, destaca a importância das contribuições das figuras menos conhecidas na formação das instituições democráticas. A evolução do Parlamento Inglês, com suas complexidades e desafios, reflete a dinâmica das forças políticas e sociais em jogo durante esse período crucial da história inglesa.

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