A medicina moderna que desfrutamos hoje, com seus avanços tecnológicos e protocolos baseados em evidências, foi precedida por séculos de tentativa e erro, onde o entendimento das doenças e de seus tratamentos era, na melhor das hipóteses, rudimentar. Na Europa medieval, as práticas médicas eram uma mistura complexa de tradições antigas, influências religiosas e a escassa ciência disponível na época. No entanto, os métodos empregados frequentemente eram tão ou mais perigosos que as próprias doenças que buscavam curar.
Naquele período, a “cura” para doenças mortais muitas vezes se mostrava mais devastadora do que a enfermidade em si. Tratamentos como pílulas de mercúrio e loções envenenadas eram comuns, envenenando lenta e inexoravelmente a parte afligida até a morte. Além disso, métodos como a sangria, amplamente utilizados para “equilibrar os humores” do corpo, muitas vezes pioram a condição do paciente, levando-o a um estado de fraqueza extrema e, não raro, à morte.
Contextualizando a Prática Médica na Idade Média
Esses tratamentos eram administrados por médicos e curandeiros que variavam em competência, experiência e treinamento, dependendo do que os pacientes podiam pagar. Vale ressaltar que a doença não respeitava as divisões socioeconômicas: a Peste Negra, que assolou a Inglaterra entre 1348 e 1350, eliminou quase um terço da população e deixou até os médicos mais experientes perdidos, sem respostas ou remédios eficazes.
Mesmo em períodos sem epidemias devastadoras, como a peste, a vida na Idade Média era marcada por um medo constante da morte. Um simples arranhão podia se transformar em uma infecção letal, e a presença de um médico ao lado da cama de um doente frequentemente era vista como um presságio do fim iminente. Curiosamente, em muitos casos, a busca por tratamento médico era evitada, pois acreditava-se amplamente que as doenças do corpo eram manifestações físicas dos pecados da alma, exigindo, portanto, não um remédio, mas sim oração e meditação.
A Formação e os Tipos de Médicos na Idade Média
Um fato pouco conhecido é que a maioria dos médicos medievais tinha pouco ou nenhum treinamento formal. Aproximadamente 85% da população medieval era composta por camponeses, cujas condições de vida os limitavam a tratamentos rudimentares. Para os mais pobres, as “mulheres sábias” locais, respeitadas por suas habilidades em criar remédios fitoterápicos e poções caseiras, eram a primeira e única linha de defesa contra doenças. Já para aqueles com um pouco mais de recursos, os boticários ofereciam medicamentos rudimentares, que muitas vezes eram mais placebo do que cura.
Quando a situação demandava intervenções mais drásticas, como amputações ou tratamentos odontológicos, um barbeiro-cirurgião era chamado. Esses profissionais eram, essencialmente, praticantes autodidatas que aprendiam a arte de cortar carne e extrair dentes por meio da prática e da tradição oral. Por outro lado, apenas os mais ricos podiam pagar por médicos treinados, que muitas vezes tinham estudado em instituições renomadas como a Universidade de Bolonha, onde os métodos de Aristóteles e Hipócrates dominavam o currículo.
A Influência dos Humores e da Astrologia na Medicina Medieval
As crenças médicas da época estavam profundamente enraizadas nas teorias dos quatro humores, originadas das ideias de Aristóteles e Hipócrates. De acordo com essa teoria, o corpo humano era composto por quatro humores: bile amarela (fogo), bile negra (terra), sangue (ar) e fleuma (água). O equilíbrio desses humores era considerado essencial para a saúde, e o desequilíbrio, a causa de todas as doenças. Como resultado, os médicos medievais prestavam muita atenção aos fluidos corporais dos pacientes, examinando sangue, urina e fezes em busca de pistas sobre o estado dos humores.
Além disso, a astrologia também desempenhava um papel crucial na medicina medieval. As universidades mais prestigiadas da Europa, como Bolonha, exigiam que os estudantes de medicina passassem anos estudando as estrelas e os planetas, acreditando que os corpos celestes influenciavam diretamente a saúde humana. De fato, era comum que os médicos medievais ajustassem seus diagnósticos e tratamentos com base no signo zodiacal sob o qual o paciente nasceu ou em qual fase da lua os sintomas começaram a se manifestar.
O Estigma da Doença Mental na Idade Média
Os transtornos mentais na Idade Média eram quase sempre associados ao sobrenatural. Segundo as crenças da época,esses distúrbios eram vistos como resultados de possessões demoníacas ou maldições lançadas por bruxas e espíritos malignos. Muitos médicos eram, na verdade, clérigos que acreditavam que a única cura possível era espiritual, envolvendo oração, encantamentos ou até exorcismos. Um exemplo extremo de tratamento medieval para doenças mentais era a trepanação, uma prática brutal que consistia em perfurar o crânio para liberar os “espíritos malignos” que se acreditava estarem causando a doença.
Contudo, nem todos os médicos aderiram a essas explicações sobrenaturais. Alguns médicos leigos começaram a reconhecer que as doenças mentais poderiam ter causas físicas, embora essas fossem geralmente explicadas em termos de desequilíbrio dos humores. Esses médicos frequentemente recorriam a sangrias, purgações e laxantes para “restaurar o equilíbrio” no corpo do paciente. As mulheres, em particular, eram frequentemente diagnosticadas com doenças mentais devido a supostos desequilíbrios causados pelo ciclo menstrual.
O Cuidado Odontológico e a Temida Sífilis
O atendimento odontológico na Idade Média era, na melhor das hipóteses, rudimentar e, na pior, brutal. Enquanto os ricos podiam acessar tratamentos sofisticados trazidos do mundo islâmico, como obturações dentárias, a maioria da população dependia dos barbeiros-cirurgiões para extrair dentes cariados com métodos que causavam dor intensa e deixavam cicatrizes permanentes. Para aliviar a dor, encantos, poções e gargarejos à base de vinho eram amplamente utilizados.
No final do século XV, a sífilis, também conhecida como “a grande pústula”, tornou-se uma das doenças mais temidas na Europa. Moralistas da época consideravam a sífilis uma punição divina para os excessos sexuais, e o tratamento prescrito frequentemente envolvia o uso de mercúrio, uma substância altamente tóxica. Embora alguns médicos reconhecem os perigos do mercúrio, sua aplicação como pomada ou ingestão oral continuou a ser uma prática comum, com resultados desastrosos.
Conclusão: O Legado da Medicina Medieval
O período medieval, com suas práticas médicas sombrias e muitas vezes mortais, lança luz sobre a longa e tortuosa jornada da humanidade em busca de uma compreensão melhor da saúde e da doença. Embora as práticas medievais possam parecer arcaicas e, em muitos casos, bárbaras, elas foram fundamentais para o desenvolvimento da medicina moderna. A partir desses alicerces instáveis, a ciência médica começou a se afastar das superstições e crenças infundadas, caminhando lentamente em direção a uma prática baseada na observação e no método científico.
Hoje, ao refletirmos sobre esses tempos passados, podemos apreciar o quão longe a medicina evoluiu, mas também reconhecer que, em sua essência, a busca pela cura e pelo alívio do sofrimento humano permanece inalterada. Portanto, a medicina medieval, apesar de suas falhas, merece um lugar na história como um período de transição crucial, onde a fé e a ciência começaram a traçar caminhos separados, mas igualmente importantes.