Leitura de História

Andrew Jackson: O Populismo Que Inspirou Donald Trump

Quando Donald Trump assumiu a presidência dos Estados Unidos em 2017, um símbolo de sua ideologia populista foi imediatamente notado no Salão Oval: o retrato de Andrew Jackson, o sétimo presidente americano, cuja administração entre 1829 e 1837 deixou um legado controverso e um impacto profundo na política americana. Jackson não apenas foi um “outsider” em sua época, mas também uma figura central na construção do sistema partidário atual. Trump, por sua vez, se declara admirador de Jackson, e, desde o início de sua campanha, fomentou comparações entre suas trajetórias. Essa relação simbólica, que voltou à tona com o retorno de Trump à Casa Branca, revela muito mais sobre a forma como o populismo americano foi moldado ao longo dos séculos.

Jackson e Trump: O Populismo de Fora para Dentro

Andrew Jackson foi o primeiro presidente dos Estados Unidos a se destacar por sua origem humilde, sem fazer parte da elite política ou aristocrática que dominava a vida pública americana no início do século XIX. Nascido em 1767 em uma região isolada da fronteira entre a Carolina do Sul e a Carolina do Norte, Jackson teve uma infância marcada pela tragédia: perdeu sua mãe e irmãos ainda na juventude. No entanto, sua ascensão à presidência se deu, paradoxalmente, pela popularidade que conquistou ao se distanciar dos poderosos de Washington e ao se colocar como defensor do “povo comum” contra as elites.

Em muitos aspectos, as semelhanças entre Jackson e Trump são evidentes. Ambos chegaram à presidência como outsiders políticos, sem experiência prévia no serviço público, e com a promessa de “limpar” Washington, uma imagem de “homem do povo” que desafiava o status quo. Trump, assim como Jackson, foi descrito por seus críticos como um populista imaturo, mas, ao mesmo tempo, suas vitórias se basearam em uma desconstrução das tradicionais elites políticas.

O Caminho das Lágrimas e a Controvérsia do Legado Jacksoniano

Porém, assim como o populismo de Jackson foi eficaz em conquistar a simpatia dos “deploráveis” (como Trump mais tarde se referiria aos desiludidos com o sistema), também há controvérsias em torno de seu legado. Jackson manteve um governo profundamente autoritário e tomou decisões que resultaram em grandes tragédias, como a remoção forçada de milhares de indígenas americanos do sudeste do país, em um episódio tristemente conhecido como o “Caminho das Lágrimas”. Esta ação foi possível através da Indian Removal Act de 1830, que resultou na morte de milhares de nativos americanos enquanto eram forçados a abandonar suas terras ancestrais.

A política racial de Jackson, que também apoiava ativamente a escravidão, foi criticada, e sua figura passou a ser alvo de um debate complicado nos Estados Unidos contemporâneos. Com o tempo, a admiração por Jackson diminuiu, especialmente entre os grupos mais progressistas, e sua imagem passou a ser contestada devido às suas atitudes em relação aos negros e aos nativos americanos. Durante a presidência de Barack Obama, houve uma tentativa de remover Jackson da nota de 20 dólares, substituindo-o pela figura da abolicionista Harriet Tubman, embora essa mudança ainda não tenha ocorrido.

A Comparação Entre Jackson e Trump: Semelhanças e Diferenças

Apesar das comparações contínuas entre ambos, é fundamental perceber as diferenças significativas entre as trajetórias de Jackson e Trump. Embora ambos tenham sido vítimas da hostilidade da elite política, Jackson possuía uma longa trajetória de envolvimento político e uma sólida carreira militar, tendo sido um herói nacional após sua vitória decisiva na Batalha de Nova Orleans durante a Guerra de 1812. Já Trump, antes de sua presidência, nunca havia ocupado um cargo público e vinha de uma família de classe alta, com uma fortuna pessoal herdada de seu pai, um empresário imobiliário.

Enquanto Jackson foi descrito como o símbolo da coragem, força e dedicação ao povo, Trump, em contraste, é frequentemente retratado como alguém que impulsiona a polarização política e que, apesar de prometer ser um líder anti-establishment, não enfrentou os desafios econômicos que Jackson experimentou na juventude.

A Trajetória de Jackson: O Populismo e o Nascimento de um Novo Partido

O impacto político de Jackson foi mais profundo do que simplesmente desafiar a elite. Sua frustração com a “eleição roubada” de 1824, quando perdeu a presidência para John Quincy Adams após uma disputa controversa no Colégio Eleitoral, resultou na criação de uma nova base política que transformou o sistema partidário dos Estados Unidos. Jackson fundou o Partido Democrata, que surgiu como uma força de oposição ao elitismo e à aristocracia dominante. Esse movimento de massa, por meio da construção de um novo partido e da democratização do processo eleitoral, marcou o início de uma era que mais tarde ficaria conhecida como a Era Jacksoniana.

Em suas campanhas de 1828 e 1832, Jackson foi eleito com a promessa de ampliar a participação popular na política, o que resultou em uma maior influência do povo no processo de seleção de candidatos e maior participação popular nas convenções partidárias. Ele quebrou com diversas tradições, tornando o sistema político mais acessível e permitindo que mais cidadãos se sentissem representados. Durante seu mandato, Jackson expandiu significativamente os poderes do Executivo e passou a adotar práticas que visavam enfraquecer as instituições tradicionais, criando uma administração mais pessoal e centralizada.

O Legado de Jackson: De Herói a Controvérsia

Enquanto seu governo é lembrado por sua contribuição à expansão da democracia, a herança de Jackson é marcada pela brutalidade das políticas de remoção forçada de nativos e pela sustentação do sistema escravagista. Isso reflete a complexidade de sua figura: enquanto foi visto como um herói nacional por muitos, especialmente na sua época, sua política e atitudes em relação à escravidão e aos povos indígenas hoje são motivo de intenso debate.

Jackson continua sendo uma referência para presidentes modernos. De fato, o próprio Ronald Reagan, entre outros, era um admirador de Jackson, e durante seu governo, o retrato de Jackson adornava a Casa Branca. Contudo, nas últimas décadas, a imagem de Jackson foi significativamente enfraquecida pela crescente consciência sobre os aspectos negativos de sua presidência, como seu apoio irrestrito à escravidão e seu tratamento cruel com os povos indígenas.

O Populismo Americano em Perspectiva

A comparação entre Jackson e Trump é, sem dúvida, fascinante. Ambos, em diferentes contextos históricos, conseguiram mobilizar uma grande base popular e desafiar o establishment político, utilizando suas imagens de “homens do povo”. No entanto, é importante lembrar que a trajetória de Jackson não pode ser dissociada das injustiças que ele perpetuou durante seu governo. Por outro lado, a presidência de Trump, com sua ênfase em políticas polarizadoras e seu constante confronto com as normas políticas tradicionais, pode ser vista como uma continuação desse legado de desconstrução do “sistema” – embora sem as mesmas ideologias de Jackson, no que tange à escravidão e a exclusão de minorias.

Referências:

  1. Feller, D. (2017). The Age of Jackson. New York: Vintage Books.
  2. Remini, R. V. (2001). Andrew Jackson and the Course of American Freedom. Harper & Row.
  3. Hyman, H. H. (1999). The Jacksonian Persuasion. University of Chicago.