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Antônio Delfim Netto: O Economista por Trás do Milagre Econômico e as Controvérsias do AI-5

Antônio Delfim Netto (São Paulo, 1 de maio de 1928 – São Paulo, 12 de agosto de 2024) foi um economista, professor universitário e político brasileiro, cuja carreira se entrelaçam de maneira indissociável com os períodos mais marcantes da história recente do Brasil. Filiado ao Progressistas (PP), Delfim Netto deixou um legado tanto de conquistas econômicas quanto de controvérsias políticas, sendo lembrado por seu papel na formulação do “Milagre Econômico” brasileiro e, ao mesmo tempo, por ser um dos signatários do Ato Institucional N° 5 (AI-5), o decreto que marcou o auge da repressão durante a ditadura militar.

Início da Carreira e Ascensão no Governo

A trajetória de Delfim Netto na esfera pública teve início nos anos 1950, quando ele integrou a equipe de planejamento do governo paulista sob a liderança de Carlos Alberto de Carvalho Pinto em 1959. Com sua formação acadêmica sólida, obtida na Universidade de São Paulo (USP), onde se doutorou com uma tese sobre o café, Delfim rapidamente se destacou como um economista brilhante, o que lhe rendeu posições estratégicas em conselhos e órgãos consultivos, como o Conselho Consultivo de Planejamento (Conseplan) durante o governo Castelo Branco em 1965. Sua atuação nesta época preparou o terreno para sua nomeação como Ministro da Fazenda em 1967, pelo presidente Costa e Silva.

O Papel Crucial no Milagre Econômico

Durante seu mandato como Ministro da Fazenda (1967-1974), Delfim Netto foi uma figura central no período conhecido como “Milagre Econômico Brasileiro”, quando o país registrou taxas de crescimento econômico anuais acima de 10%. Sob sua gestão, a economia brasileira passou por uma série de reformas estruturais que impulsionaram o crescimento industrial e a modernização da infraestrutura, financiadas em grande parte por empréstimos externos. Entre as medidas adotadas, destacam-se a criação do Banco Multinacional Brasileiro e do European Brazilian Bank (EUROBRAS), instituições que visavam fortalecer a posição do Brasil no mercado financeiro internacional.

Apesar desses sucessos, o Milagre Econômico teve um custo social elevado. O crescimento acelerado ocorreu à custa do aumento da desigualdade social e da repressão política. A economia brasileira, embora robusta na aparência, estava se tornando cada vez mais dependente de capital estrangeiro, o que, eventualmente, levaria a uma crise da dívida na década de 1980.

A Controvérsia do AI-5 e o Legado Político

Em 13 de dezembro de 1968, Delfim Netto foi um dos signatários do Ato Institucional nº 5 (AI-5), um decreto que marcou um dos momentos mais sombrios da história brasileira. O AI-5 conferiu ao presidente da república poderes quase ditatoriais, incluindo a suspensão dos direitos políticos e a cassação de mandatos eletivos. Delfim, à época, defendeu a necessidade do AI-5 como um “ato revolucionário” necessário para preservar a ordem e garantir a continuidade do projeto econômico do regime militar. Contudo, essa postura o colocou como uma figura polarizadora, com críticos acusando-o de ter contribuído para a intensificação da repressão e o cerceamento das liberdades civis.

Com o passar dos anos, Delfim Netto nunca se arrependeu publicamente de sua participação na formulação do AI-5. Em uma entrevista concedida em 2021, ele reafirmou que, dado o contexto histórico, voltaria a assinar o decreto, ressaltando que a decisão foi apropriada naquele momento, embora tenha reconhecido os erros e excessos cometidos.

Transição para Diplomacia e Participação no Governo Figueiredo

Após deixar o Ministério da Fazenda, Delfim Netto foi nomeado embaixador do Brasil na França, cargo que ocupou de 1974 a 1978. 

Na verdade, Antônio Delfim Netto foi convidado para assumir a Embaixada do Brasil na França, por possíveis desentendimentos com o atual homem forte do regime militar, General Ernesto Geisel. 

O cargo foi uma fase posterior em sua carreira, que incluiu posições como ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento, além de ter sido deputado federal e professor universitário.

Sua atuação diplomática foi marcada por esforços para fortalecer as relações comerciais entre os dois países, mas ele permaneceu uma figura influente na política interna brasileira. Em 1979, foi novamente convocado para o governo, desta vez como Ministro da Agricultura e, posteriormente, Ministro do Planejamento no governo do general João Figueiredo, último presidente do regime militar. Durante essa fase, Delfim enfrentou os desafios de uma economia em desaceleração e de um regime que se aproximava de seu fim.

Suspeitas de Corrupção e Envolvimento na Lava Jato

A vida pública de Delfim Netto também foi marcada por uma série de controvérsias e acusações de corrupção. Em dezembro de 1982, ele foi implicado no “Caso Delfin“, um escândalo financeiro envolvendo o Banco Nacional da Habitação e o Grupo Delfin, uma empresa privada de crédito imobiliário. 

O caso Delfin, relacionado ao Banco Nacional da Habitação (BNH) em 1982, ganhou destaque após uma reportagem do jornalista José que denunciou irregularidades envolvendo o Grupo Delfin e o BNH. A partir de 1983, o setor de fiscalização do banco começou a investigar essas questões, revelando problemas significativos com a gestão e prestação de contas da instituição.

A suspeita era de que o grupo havia recebido benefícios indevidos para abater uma dívida de Cr$82 bilhões, o que levou a empresa à falência. O caso manchou a reputação de Delfim, que já era alvo de críticas por sua proximidade com o regime militar.

Décadas mais tarde, Delfim voltou a ser investigado, desta vez no âmbito da Operação Lava Jato. Em 2016, surgiram denúncias de que ele teria recebido propinas relacionadas à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Em 2018, a operação Bona Fortuna, um desdobramento da Lava Jato, investigou pagamentos indevidos que teriam sido destinados a Delfim e outros políticos através do consórcio Norte Energia. Essas investigações, apesar de não terem resultado em condenações definitivas, reforçaram a imagem de Delfim como uma figura controversa na política brasileira.

Contribuições Acadêmicas e Pós-Vida Parlamentar

Além de sua atuação política, Delfim Netto foi um respeitado acadêmico e escritor. Como professor emérito da Faculdade de Economia e Administração da USP, ele influenciou gerações de economistas e manteve-se ativo na produção intelectual até o final de sua vida. Publicou uma série de livros, entre eles “Crônica do Debate Interditado” (1998) e “O Animal Econômico” (2018), e escreveu regularmente para a imprensa, incluindo uma coluna na revista CartaCapital.

Após deixar a política ativa em 2007, Delfim continuou a ser uma voz influente, oferecendo conselhos a políticos e participando de debates econômicos e políticos. Sua proximidade com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante os governos petistas gerou especulações sobre um possível retorno ao governo, o que, contudo, nunca se concretizou.

Legado e Reflexões Finais

Antônio Delfim Netto faleceu em 12 de agosto de 2024, no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, em decorrência de complicações de saúde. Seu legado é complexo e multifacetado: de um lado, ele é lembrado como o arquiteto de um dos períodos de maior crescimento econômico do Brasil; de outro, sua associação com o AI-5 e as acusações de corrupção lançam sombras sobre sua trajetória.

O julgamento histórico de Delfim Netto depende, em grande parte, da perspectiva adotada. Para alguns, ele foi um gênio econômico que, mesmo em um regime autoritário, conseguiu impulsionar o crescimento do Brasil. 

Para outros, ele foi um cúmplice da repressão e das práticas políticas que comprometem a democracia brasileira. Independentemente das opiniões, Delfim Netto permanece uma figura central na história do Brasil do século XX e início do XXI, cuja influência e controvérsias continuarão a ser objeto de estudo e debate por muitos anos.

Como sempre digo, não cabe a nós historiadores julgar, apenas relatar os fatos, mantendo viva a memória.

 

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