Na longa e tortuosa trilha da história americana, poucos personagens personificam de forma tão vívida o cruzamento entre fé, poder e fronteira quanto Brigham Young. Ele não foi apenas um líder religioso. Foi também um colonizador, político, arquiteto de uma nova sociedade — e, para seus detratores, um autocrata com um exército às costas e o céu na ponta da língua.
Se o Velho Oeste foi palco de aventuras, violência e reinvenções, Brigham Young foi seu estadista mais teocrático. Num tempo em que a América marchava para o Pacífico empunhando rifles e bandeiras, ele empunhava as Escrituras — e desenhava, quase como um Moisés americano, um novo Israel no deserto.
De Carpinteiro a Profeta
Nascido em 1801 em Vermont, criado em duras condições por uma família protestante, Brigham Young se formou no cadinho do povo comum: aprendendo marcenaria, pintura e resiliência. Foi em 1832 que sua vida tomou um rumo inesperado: converteu-se ao mormonismo, um movimento então marginal e altamente perseguido, fundado por Joseph Smith.
Young foi rapidamente percebido como homem de ação. Quando Smith foi assassinado em 1844 por uma turba enfurecida em Carthage, Illinois, o movimento religioso mergulhou em um vácuo de liderança. Muitos disputaram o manto profético. Mas foi Brigham Young quem teve a visão — e a mão firme.
Ele assumiu o comando com convicção férrea. Se Joseph Smith sonhou com um novo mundo, Brigham Young construiu um.
O Êxodo Mórmon e a Colonização de Utah
Imagine caravanas de centenas de carroças, cruzando pradarias, rios gelados e desertos. Mulheres grávidas, crianças, velhos. Não era apenas um povo migrando — era um povo peregrino, em fuga de perseguições, buscando liberdade religiosa num país que se dizia fundado sobre ela, mas que os via como aberrações.
Em 1847, Brigham Young e seus seguidores chegaram ao Vale do Lago Salgado, uma terra árida e aparentemente hostil, onde nenhum outro povo branco havia se estabelecido com sucesso. Young olhou para o deserto e proclamou: “Este é o lugar.”
E foi. Ali começou a construção de um novo tipo de sociedade americana: teocrática, cooperativa, moralista e disciplinada. Com base em trabalho comunitário, irrigação e fé, Young transformou o deserto em um jardim — e estabeleceu o que viria a ser o Território de Utah, onde ele mesmo seria governador, chefe militar e, para muitos, rei de fato.
Um Império Sob Cerco
Seus opositores em Washington viam Young com profunda desconfiança. A prática da poligamia, defendida por ele como revelação divina, provocava escândalo e repulsa no Leste puritano. Mas havia mais: o medo de que os mórmons, isolados, organizados e armados, formassem um Estado dentro do Estado.
Em 1857, o presidente James Buchanan enviou o Exército dos EUA para destituir Brigham Young e sufocar a “rebelião mórmon”. O que se seguiu ficou conhecido como a Guerra de Utah — uma guerra sem grandes batalhas, mas repleta de tensão. Young organizou uma resistência notável, que forçou uma negociação diplomática. Ele aceitou a substituição como governador, mas manteve seu domínio religioso e social.
Foi nesse contexto, também, que ocorreu o Massacre de Mountain Meadows, um dos episódios mais sombrios da história mórmon — no qual uma caravana de migrantes foi dizimada por milicianos locais, supostamente sem ordem direta de Young, mas num clima de paranoia e fervor religioso que ele próprio alimentava.
O Construtor de Cidades
A marca mais visível de Brigham Young talvez não esteja nos relatos épicos, mas nos tijolos e trilhos. Sob sua liderança, os mórmons fundaram centenas de cidades em Utah, Nevada, Arizona, Idaho e até no sul da Califórnia. Ele mandou construir universidades, templos, sistemas de irrigação e cooperativas agrícolas.
Salt Lake City, centro do império jovem, foi planejada com precisão quase bíblica. Suas ruas largas e a localização do Templo Mórmon refletem o desejo de ordem celestial traduzido em urbanismo terrestre.
O Fim e o Legado
Brigham Young morreu em 1877, aos 76 anos, deixando uma comunidade estabelecida, mas ainda em conflito com os ideais mais amplos da nação americana. Só décadas depois a Igreja Mórmon renunciaria oficialmente à poligamia — uma exigência para que Utah se tornasse estado.
Mas o legado de Young é complexo. Seus críticos o acusam de autoritarismo, de repressão religiosa e de ter consolidado uma igreja baseada em obediência cega. Seus defensores o veem como um novo Moisés, que guiou um povo através do sofrimento para um lar seguro — e que desafiou a hipocrisia de uma nação que proclamava liberdade, mas perseguia a diferença.
Fé e Fronteira: A Lição de Brigham Young
Para Paul Andrew Hutton — e para qualquer um que ouse contar a história americana com as rugas e sombras que ela merece —, Brigham Young é mais do que uma estátua de sal em Salt Lake City. É um lembrete vivo de que a expansão americana não foi apenas feita por pistoleiros e soldados, mas também por profetas e peregrinos.
Num tempo em que religião e política ainda colidem com força, a figura de Young ressurge não como anacronismo, mas como alerta. Ele construiu um império com fé e suor — e nos força a perguntar: o que sustenta, de fato, uma civilização?