Leitura de História

Edward II: Amor Proibido e Poder em Conflito

Em 2025, a Royal Shakespeare Company (RSC) apresenta uma nova montagem de “Edward II”, de Christopher Marlowe, no Swan Theatre em Stratford-upon-Avon. Dirigida por Daniel Raggett e estrelada por Daniel Evans no papel-título, a produção resgata uma obra que, apesar de escrita há mais de quatro séculos, continua a provocar reflexões sobre poder, desejo e intolerância.

A Tragédia de um Rei e seu Favorito

“Edward II” narra a história do monarca inglês que, ao assumir o trono em 1307, traz de volta seu favorito, Piers Gaveston, exilado por seu pai, Edward I. A relação íntima entre o rei e Gaveston desperta a ira da nobreza, que vê na proximidade dos dois uma ameaça à ordem estabelecida. Marlowe não declara explicitamente que os personagens são amantes, mas o subtexto homoerótico é evidente, como na cena em que Edward implora a Gaveston: “não beije minha mão, mas me abrace, Gaveston, como eu faço com você” .

Contexto Histórico e Relevância Contemporânea

A peça foi escrita em uma época em que a homossexualidade era criminalizada na Inglaterra, tornando a representação de um rei com desejos homoeróticos uma escolha ousada. Marlowe, conhecido por explorar temas tabu, oferece uma crítica à hipocrisia e à rigidez das normas sociais de seu tempo .

A nova produção da RSC destaca a atualidade dos temas abordados. Daniel Evans, que interpreta Edward II, observa que a peça continua a ser “radical” em 2025, questionando como a sociedade moderna reagiria se um monarca expressasse abertamente seu amor por outro homem .

Produção e Interpretação

Sob a direção de Daniel Raggett, a montagem enfatiza o conflito entre o desejo pessoal do rei e as expectativas da corte. Eloka Ivo interpreta Gaveston, cuja presença disruptiva contrasta com a formalidade do ambiente palaciano. A encenação sem intervalos intensifica a tensão e o ritmo da narrativa .

A produção também incorpora elementos contemporâneos, sugerindo paralelos entre a vigilância da corte medieval e a exposição midiática atual. Essa abordagem ressalta a persistência da homofobia e da resistência a relações que desafiam normas heteronormativas .

Legado e Impacto

“Edward II” tem sido uma peça fundamental na discussão sobre representação LGBTQ+ no teatro. Em 1969, Ian McKellen interpretou o rei em uma produção que incluiu o primeiro beijo entre homens transmitido na televisão britânica. Mais tarde, em 1991, o cineasta Derek Jarman adaptou a peça para o cinema, contextualizando-a no movimento contemporâneo de direitos LGBTQ+ .

A peça de Marlowe continua a ser uma obra poderosa que desafia o público a refletir sobre as consequências da intolerância e da repressão ao amor. A nova produção da RSC reafirma a relevância da peça, convidando a sociedade a reconsiderar suas atitudes em relação à diversidade e à aceitação.

Referências Bibliográficas:

  • Bartels, Emily. Spectacles of Strangeness: Imperialism, Alienation, and Marlowe. University of Pennsylvania Press, 1993.

  • Heyam, Kit. The Reputation of Edward II, 1305–1697: A Literary Transformation of History. Amsterdam University Press, 2020.

  • Warner, Kathryn. Edward II: The Unconventional King. Amberley Publishing, 2014.

  • Tosh, Will. Straight Acting: The Many Queer Lives of William Shakespeare. Bloomsbury Publishing, 2023.

  • Comensoli, Viviana. “Homophobia and the Regulation of Desire: A Psychoanalytic Reading of Marlowe’s ‘Edward II’.” Journal of the History of Sexuality, vol. 2, no. 2, 1991, pp. 161–177.

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  • Goldberg, Jonathan. “Sodomy and Society: The Case of Christopher Marlowe.” In Staging the Renaissance: Reinterpretations of Elizabethan and Jacobean Drama, edited by David Kastan and Peter Stallybrass, Routledge, 1991.

  • Stanivukovic, Goran, and Adrian Goodwin. “Gaveston in Ireland: Christopher Marlowe’s Edward II and the Casting of Queer Brotherhood.” Textual Practice, vol. 31, no. 1, 2017, pp. 1–20.

Através desta montagem, a RSC não apenas revive uma obra clássica, mas também promove um diálogo essencial sobre identidade, poder e aceitação na sociedade contemporânea.