Neft Dashlari, cidade flutuante no Mar Cáspio, foi criada na era soviética e se tornou um símbolo da exploração petrolífera e seus desafios contemporâneos.
A misteriosa cidade flutuante de Neft Dashlari, localizada no Mar Cáspio, na costa do Azerbaijão, remonta à era soviética, quando Joseph Stalin idealizou a criação de uma plataforma petrolífera sobre os barcos afundados. Com uma história única, esta cidade é um testemunho da audácia técnica e da obsessão soviética pela exploração dos recursos naturais. Porém, também é um símbolo do avanço e do declínio de uma era, marcada pela busca incessante por petróleo e pela imensa transformação das paisagens humanas e naturais.
Fundada em 1949, durante o período pós-Segunda Guerra Mundial, a cidade de Neft Dashlari surgiu em meio ao boom da exploração de petróleo no Mar Cáspio, região que se revelaria uma das maiores reservas de petróleo da Ásia Central. Às margens de uma das regiões mais remotas da antiga União Soviética, esta cidade foi concebida como parte de um grandioso plano quinquenal de Stalin. A estratégia soviética de extração de petróleo não só impulsionou a economia da URSS, mas também consolidou a importância do Azerbaijão na geopolítica energética da época. Durante a Segunda Guerra Mundial, o Azerbaijão já havia sido um ponto crucial no abastecimento de petróleo para a Frente Oriental, com grande parte do combustível utilizado pelos soviéticos proveniente das suas reservas.
O início da construção de Neft Dashlari seguiu-se a uma importante descoberta petrolífera no fundo do mar. Em 7 de novembro de 1949, um poço de petróleo em alto-mar produziu um jato de petróleo — um marco na história da exploração petrolífera. O Azerbaijão foi o primeiro a explorar os campos de petróleo no Mar Cáspio aberto, e esta descoberta pôs o país em uma posição de destaque no cenário energético mundial. O que começou como uma simples plataforma de extração de petróleo rapidamente se expandiu e se transformou em uma cidade autossuficiente, com grandes edifícios, serviços e infraestrutura. Sua arquitetura era uma combinação de construção moderna e soluções improvisadas que envolviam até a utilização de barcos fora de serviço como base estrutural.
Os primeiros passos de Neft Dashlari começaram modestamente, com alojamentos improvisados para os trabalhadores. Barcos de grande porte foram afundados para servir de fundação para a construção das plataformas, criando uma base sólida que permitiria o desenvolvimento de estruturas imponentes. O petroleiro Zoroaster, fabricado no século XIX, foi um dos primeiros barcos a ser utilizado na fundação da cidade flutuante. A partir da década de 1950, os esforços para expandir a cidade aumentaram consideravelmente. Mais seis navios foram afundados na área, formando uma baía artificial e protegida das tempestades e ventos do mar. As cabines desses barcos foram transformadas em refeitórios, dormitórios e até postos médicos para os trabalhadores da extração de petróleo. A cidade cresceu de maneira quase miraculosa e se tornou conhecida como a “Ilha dos Sete Navios”.
Nos anos seguintes, Neft Dashlari se expandiu e se diversificou. Era uma cidade flutuante onde a vida cotidiana se misturava com a atividade industrial. Casas para trabalhadores, centros médicos, restaurantes e até um teatro foram erguidos. Não era apenas um centro de produção de petróleo; era também uma pequena sociedade, organizada e funcional. Em um lugar tão isolado e hostil, a cidade possuía infraestrutura de qualidade, o que permitia aos trabalhadores viverem por longos períodos sem grandes dificuldades. De acordo com a diretora da Organização de Proteção dos Direitos dos Trabalhadores do Petróleo, Mirvari Gahramanli, as plataformas de Neft Dashlari foram construídas sobre pilares de aço e postes fixados no fundo do mar, a vários metros acima da superfície. O que começou como uma plataforma industrial tornou-se um centro urbano no coração do Mar Cáspio.
O legado de Neft Dashlari é inegável. O campo de petróleo de Neft Dashlari é o primeiro de sua espécie a ser explorado em mar aberto, o que lhe conferiu status de inovação tecnológica e pioneirismo. O campo de petróleo ocupa cerca de 12 quilômetros de comprimento por 6 de largura, e até o momento cerca de 2.000 poços foram perfurados na região. Seu impacto foi significativo, atingindo seu pico de produção de 7,6 milhões de toneladas de petróleo em 1967. No entanto, apesar do sucesso inicial, a decadência foi inevitável. A partir da década de 1970, com a queda nos preços do petróleo e o enfraquecimento da União Soviética, o campo de Neft Dashlari começou a enfrentar sérios desafios.
A cidade experimentou uma década de decadência na década de 1980, quando a infraestrutura começou a deteriorar-se devido à falta de manutenção adequada e à falta de recursos para restaurá-la. De acordo com o jornal alemão Der Spiegel, em 2012, apenas 45 de seus 300 quilômetros de estradas estavam em condições de uso. Essa decadência foi documentada no filme “Oil Rocks – City Above The Sea”, no qual o cineasta Marc Wolfensberger captura imagens da cidade, mostrando construções desmoronadas e enferrujadas.
O futuro de Neft Dashlari parece incerto. Embora a produção de petróleo tenha diminuído consideravelmente, com uma produção atual de cerca de 3.000 toneladas por dia, a cidade ainda se mantém como um símbolo do poder industrial soviético e do impacto duradouro da exploração de recursos naturais. A ideia de que Neft Dashlari se tornaria um destino turístico foi sugerida por algumas figuras locais, como Gahramanli, que mencionou o potencial da cidade como resort marinho. No entanto, essa perspectiva depende de vários fatores, incluindo a recuperação das infraestruturas e a estabilização das condições ambientais. Além disso, o impacto das mudanças climáticas pode afetar ainda mais a viabilidade da cidade no futuro.
De acordo com um estudo publicado na Communications Earth & Environment, o Mar Cáspio poderá perder até 18 metros de profundidade até 2100, o que representa uma ameaça à própria existência da cidade. Cientistas alertam que o declínio das águas poderia causar sérios danos às infraestruturas e até comprometer a própria viabilidade de Neft Dashlari como uma cidade flutuante. Assim, como os desafios climáticos se intensificam, a conferência COP29 em Baku, a ser realizada nas próximas semanas, deve tratar de questões que, de maneira indireta, também podem impactar o futuro da cidade. No entanto, Neft Dashlari permanece como um legado, uma verdadeira “maravilha arquitetônica e técnica” que sobreviveu às intempéries do tempo e da política.