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O Caso Rubens Paiva e a Luta pela Verdade na História do Brasil

Mais de meio século após o desaparecimento de Rubens Paiva, um dos episódios mais emblemáticos da repressão política durante a ditadura militar brasileira, o Brasil ainda lida com as feridas abertas desse período. 

A história de Paiva, cassado, preso e desaparecido em 1971, não é apenas a de uma vítima, mas também a de uma nação que se recusa a confrontar plenamente sua própria história. Enquanto a cultura popular, o cinema e a literatura revisitam o caso, as instituições ainda se mostram incapazes de fechar este capítulo sombrio.

O mais recente esforço nessa direção vem de Walter Salles, cineasta renomado que, no filme Ainda Estou Aqui, aborda o impacto devastador da perda de Rubens Paiva sobre sua esposa, Eunice, e seus cinco filhos.

 Situado no contexto do Rio de Janeiro dos anos 1970, o filme é inspirado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho do deputado. Ao entrelaçar memórias pessoais com a denúncia política, o filme não só retrata o luto familiar, mas também a impunidade sistêmica que caracteriza as violações cometidas durante a ditadura.

Premiado com o melhor roteiro no último Festival de Veneza e escolhido como o candidato brasileiro ao Oscar, Ainda Estou Aqui revive uma questão que permanece sem desfecho legal. Por trás da narrativa cinematográfica, há uma outra realidade que continua a desafiar a sociedade brasileira: o destino final do corpo de Rubens Paiva e a ausência de justiça para os culpados. 

Mais de quarenta anos após sua morte, os militares envolvidos no caso permanecem impunes, e o processo judicial que investiga o crime continua paralisado no Supremo Tribunal Federal (STF).

Esse impasse jurídico está diretamente ligado à Lei da Anistia, promulgada em 1979, que perdoou tanto os crimes cometidos por opositores ao regime quanto pelos agentes de repressão. A anistia, em teoria um passo rumo à reconciliação, tornou-se, na prática, uma pedra no caminho da responsabilização dos torturadores e assassinos que atuaram sob o manto do regime militar. O Brasil, ao contrário de muitos países latino-americanos que optaram por revisitar os crimes de suas ditaduras, encontra-se preso em um dilema: como avançar sem reescrever ou, ao menos, reinterpretar sua própria história?

O processo contra os responsáveis pela morte de Rubens Paiva, iniciado em 2014 pelo Ministério Público Federal, acusa cinco ex-militares por crimes que incluem homicídio doloso e ocultação de cadáver. No entanto, três desses acusados já faleceram, o que levanta a questão: quanto tempo mais a Justiça brasileira precisa para decidir se a Lei da Anistia pode continuar a ser utilizada como escudo para os crimes do Estado?

Marcelo Rubens Paiva, em entrevista à BBC News Brasil, reflete sobre essa questão com um tom de profunda frustração: “Nosso papel, como artistas e intelectuais, é dar voz aos vencidos, às vítimas que foram silenciadas. 

Mas em um país que prefere um pacto de silêncio com seus torturadores, isso é sempre uma tarefa muito difícil.” Seu livro e o filme derivado dele propõem não apenas uma reconstituição histórica, mas uma crítica ao modelo de impunidade que se instalou no país desde a redemocratização.

O caso Rubens Paiva é mais do que uma história de desaparecimento forçado e tortura. Ele simboliza o fracasso de um país em resolver as pendências de seu passado. Durante a Comissão Nacional da Verdade, criada em 2012, confirmou-se que Rubens Paiva foi brutalmente torturado e morto em instalações militares. Contudo, o relatório final da Comissão, divulgado em 2014, apesar de trazer à luz novos detalhes sobre o caso, esbarrou na recusa das Forças Armadas em abrir seus arquivos. A resistência militar em colaborar com as investigações reforça a dificuldade em se alcançar uma justiça plena.

A morosidade do STF ao julgar o processo também reflete a dificuldade do Brasil em punir os crimes cometidos durante a ditadura. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, que declarou a Lei da Anistia incompatível com os princípios de justiça para crimes contra a humanidade, reforça a necessidade de que o Brasil reveja sua postura. A decisão da Corte, baseada em casos como o da Guerrilha do Araguaia e do jornalista Vladimir Herzog, salienta que crimes graves, como tortura e assassinatos políticos, são imprescritíveis e não podem ser anistiados.

A Lei da Anistia, criada sob a tutela dos próprios militares, é frequentemente interpretada como uma forma de “auto anistia”, um mecanismo jurídico que perdoa os crimes daqueles que controlavam o poder na época. Para muitos juristas e especialistas em direitos humanos, essa autoanistia é inaceitável, principalmente em casos de crimes que se enquadram na categoria de crimes contra a humanidade, como o de Rubens Paiva.

As tentativas de responsabilização judicial, entretanto, esbarram na indecisão do STF. O caso de Rubens Paiva foi paralisado em 2014, após a concessão de uma liminar pelo então ministro Teori Zavascki. Desde então, o processo foi redistribuído para o ministro Alexandre de Moraes, mas segue sem previsão de julgamento. Enquanto isso, os esforços para responsabilizar os agentes do regime militar continuam travados.

A ausência de resolução do caso Rubens Paiva revela uma falha sistêmica nas instituições democráticas brasileiras. Ao contrário de países como Argentina e Chile, que revisitaram seus passados autoritários e puniram os responsáveis pelos abusos cometidos, o Brasil parece hesitar em fazer o mesmo. A pergunta que ecoa, em última análise, é se o país está verdadeiramente disposto a confrontar sua história e a romper com o ciclo de impunidade que perpetua a violência estatal.

Rubens Paiva, mesmo desaparecido, continua sendo um símbolo da luta pela verdade, justiça e memória. Sua morte e a ausência de responsabilização não são apenas uma tragédia familiar, mas um marco da história brasileira que, décadas depois, ainda busca respostas. A pergunta que fica é: até quando a sociedade brasileira aceitará o silêncio como resposta?

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