Leitura de História

O Impacto de Donald J. Harris no Brasil e na Economia Global

Donald Jasper Harris, renomado economista de origem jamaicana e naturalizado americano, já havia construído uma carreira internacional de grande prestígio quando chegou ao Brasil em 1990. Sua trajetória acadêmica, marcada por profundas críticas à economia neoclássica e por uma visão heterodoxa do desenvolvimento econômico, encontrou no Brasil um solo fértil para novos debates e colaborações. Sua vinda ao país ocorreu por meio de uma bolsa do programa Fulbright, que o trouxe para ministrar seminários e participar de conferências em diversas universidades brasileiras, incluindo a Universidade de Brasília (UnB), onde ele deixou uma marca indelével.

Nascido na Jamaica, Harris foi educado nos Estados Unidos, onde conquistou o título de doutor em Economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley. Ele se estabeleceu como professor da Universidade Stanford, uma das instituições mais renomadas do mundo. Entre suas publicações, destaca-se o livro Capital Accumulation and Income Distribution (Acumulação de Capital e Distribuição de Renda), de 1978, uma obra que explorava as desigualdades geradas pelo capitalismo e desafiava as teorias econômicas tradicionais da época. Com essa bagagem intelectual, sua chegada ao Brasil ampliou as perspectivas econômicas daqueles que tiveram a oportunidade de aprender com ele.

Ao longo dos anos 1990, Harris passou várias temporadas no Brasil, sempre mantendo uma relação próxima com alunos e colegas. Muitos de seus ex-alunos, como Jorge Thompson Araújo, que na época era mestre em Economia na UnB, recordam com carinho de suas aulas, que eram exigentes, mas profundamente instigantes. “Ele era introvertido, mas simpático”, recorda Araújo, que hoje é consultor do Banco Mundial. As aulas de Harris, ministradas em inglês, traziam um nível de complexidade que desafiava os estudantes, especialmente em um momento em que o domínio da língua inglesa não era tão comum no Brasil.

A presença de Harris em Brasília não se restringia ao ambiente acadêmico. Ele era visto frequentemente em eventos sociais com alunos e colegas, frequentando bares e restaurantes próximos ao campus da UnB e participando de churrascos com os estudantes. Essa interação social permitia que os alunos tivessem um vislumbre de sua personalidade fora das salas de aula, onde ele se mostrava sempre acessível e cortês.

Um aspecto notável da passagem de Harris pelo Brasil foi sua conexão com as teorias econômicas heterodoxas que floresciam na UnB. Diferente de Stanford, onde a escola neoclássica dominava, Brasília oferecia um ambiente mais pluralista, com diversas correntes de pensamento convivendo e dialogando. Harris, que sempre foi crítico das teorias econômicas mainstream, encontrou na UnB um espaço onde suas ideias críticas ao capitalismo eram bem recebidas. “Ele sempre foi bem heterodoxo em economia, e isso fez com que ele se sentisse à vontade na UnB”, reflete Araujo. Essa convivência plural foi fundamental para que Harris pudesse aprofundar suas reflexões sobre o desenvolvimento econômico e a desigualdade.

O interesse de Donald Harris pelo Brasil, no entanto, não começou nos anos 1990. Já na década de 1960, ele demonstrava um profundo engajamento com o pensamento econômico latino-americano. Em 1966, ele escreveu uma resenha crítica sobre o livro Dialética do Desenvolvimento, do economista brasileiro Celso Furtado, uma obra que explora os dilemas do subdesenvolvimento na América Latina. A análise de Harris foi extremamente positiva, destacando a relevância da obra de Furtado para a compreensão das complexidades econômicas da região. Esse interesse precoce pelo Brasil refletia seu compromisso em entender as dinâmicas econômicas dos países em desenvolvimento, e ajudou a moldar seu trabalho acadêmico nas décadas seguintes.

Harris, além de acadêmico, foi consultor de diversas organizações internacionais, como a ONU e o Banco Mundial, além de governos ao redor do mundo. Sua atuação como consultor econômico na Jamaica, seu país natal, foi especialmente significativa. Ele desempenhou um papel importante na formulação de estratégias de crescimento econômico para o governo jamaicano, contribuindo para o desenvolvimento de políticas que buscavam promover a equidade social.

Essa trajetória internacional de Donald Harris, que inclui passagens por diversas universidades nos Estados Unidos e consultorias ao redor do mundo, teve um impacto profundo em sua visão sobre o desenvolvimento econômico. Ele era um crítico ferrenho da desigualdade gerada pelo sistema capitalista, e dedicou grande parte de sua carreira a estudar as formas pelas quais o capital se acumula de forma desigual, criando um desenvolvimento econômico assimétrico entre diferentes regiões e classes sociais.

Mesmo após se aposentar de Stanford em 1998, Harris manteve seu título de professor emérito e continuou a ser uma figura influente no mundo acadêmico. Ele recebeu diversas honrarias ao longo de sua vida, incluindo a Ordem do Mérito na Jamaica, em reconhecimento por suas contribuições ao desenvolvimento do país. Sua aposentadoria não significou um fim à sua atuação intelectual; pelo contrário, ele passou a dedicar-se de forma mais ativa ao desenvolvimento de políticas públicas que buscassem promover o crescimento econômico com justiça social.

A vida pessoal de Harris também foi marcada por episódios que ecoam na história contemporânea. Pai de Kamala Harris, atual vice-presidente dos Estados Unidos, ele ganhou atenção renovada em 2020 durante a campanha presidencial americana. No entanto, sua relação com Kamala sempre foi discreta, e ele raramente comenta sobre a trajetória política da filha. Em um episódio de 2019, ele chegou a se distanciar publicamente de uma brincadeira feita por Kamala sobre sua herança jamaicana, demonstrando sua preocupação em preservar a reputação de sua família.

Ao final, Donald Harris deixa um legado intelectual que transcende fronteiras. Seu pensamento econômico, que combina rigor acadêmico com uma visão crítica do desenvolvimento capitalista, continua a influenciar gerações de economistas e formuladores de políticas públicas. No Brasil, ele é lembrado não apenas como um grande professor, mas como alguém que contribuiu para o desenvolvimento do pensamento econômico no país, promovendo diálogos fundamentais para a compreensão das desigualdades e desafios que o Brasil enfrenta até hoje.