Em 1788, um homem chamado “AB” colocou um anúncio no Impartial Gazetteer, procurando uma esposa em termos diretos: “uma mulher com menos de 40 anos, não deformada e de posse de pelo menos mil libras”. Embora soe estranho para os padrões atuais, esse foi o embrião do que hoje chamamos de namoro online. A proposta de AB era clara e pragmática, quase uma prévia do que, séculos depois, se tornaria um algoritmo de compatibilidade amorosa. Mas foi só em 1965 que o namoro assistido pela tecnologia ganhou uma nova forma — o matchmaking por computador.
No contexto social da década de 1960, quando movimentos de direitos civis, feminismo e mudanças culturais fervilhavam, surgiu o Tact, ou Technical Automated Compatibility Testing, um projeto revolucionário criado por Bob Ross (programador da IBM) e Lewis Altfest (contador). A ideia era simples e inovadora: usar computadores para combinar pessoas com base em questionários psicológicos e socioculturais. Cada participante preenchia um extenso formulário e, por apenas cinco dólares, recebia uma lista de potenciais parceiros compatíveis. Era o equivalente digital aos anúncios pessoais, mas agora com a promessa de um toque científico.
Tecnologia e a busca pelo par perfeito
O Tact, inspirado pela Operation Match, um projeto de estudantes de Harvard, foi uma das primeiras tentativas de usar tecnologia para encontrar a combinação amorosa ideal. É interessante notar que a própria existência desses serviços reflete uma mudança fundamental nas dinâmicas sociais da época. Até a metade do século XX, o namoro era uma prática muito mais formal e controlada por convenções familiares. Com a chegada das universidades mistas e a revolução sexual em curso, novas formas de conhecer pessoas se tornaram possíveis e desejáveis. O computador, ainda uma novidade tecnológica, oferecia uma solução intrigante e — à época — futurista.
Bob Ross e Lewis Altfest estavam cientes de que o sucesso do Tact não residia apenas na precisão dos algoritmos, mas também no fascínio que a ideia de “compatibilidade calculada” exercia sobre as pessoas. O computador, símbolo de progresso, oferecia uma promessa quase divina de racionalidade em algo tão caótico quanto o amor.
Amor em tempos de transformação cultural
A década de 1960 foi um momento de transição não apenas tecnológica, mas também cultural. O feminismo da segunda onda questionava os papeis tradicionais de gênero, enquanto movimentos de contracultura promoviam maior liberdade individual. A popularidade de serviços como o Tact reflete o desejo de experimentar novos modos de relacionamento, distantes das regras rígidas das gerações anteriores.
Por mais que o Tact representasse um avanço, ele também estava limitado pelas normas da época. O serviço era voltado exclusivamente para encontros heterossexuais e evitava deliberadamente casais inter-raciais. As perguntas do questionário, carregadas de estereótipos, revelam como o preconceito e as limitações culturais estavam embutidos até mesmo nas inovações mais progressistas.
Limitações e impacto social
Embora inovador, o Tact tinha suas falhas. O processo de análise era lento, e o número de combinações possíveis era restrito a um público específico: jovens universitários de classe média. Além disso, o serviço dependia da interação por telefone ou cartas, o que tornava o desenvolvimento dos relacionamentos menos dinâmico do que as ferramentas digitais atuais.
Há relatos curiosos sobre os erros do sistema. Em um caso infame, o algoritmo acabou combinando um irmão com sua irmã, gerando uma situação constrangedora. Ainda assim, o Tac foi pioneiro, pavimentando o caminho para o futuro das interações românticas mediadas por tecnologia.
Das cartas ao algoritmo: o futuro do romance digital
Se o Tact parece rudimentar hoje, ele foi um precursor dos sites de namoro modernos e dos aplicativos que dominam as relações contemporâneas. Em muitos aspectos, ele antecipou a lógica dos algoritmos atuais, que cruzam milhares de dados para sugerir potenciais parceiros. Na era dos aplicativos de encontros, os algoritmos de inteligência artificial assumiram o papel que um dia foi desempenhado por computadores gigantes e questionários impressos.
O impacto cultural dessas inovações é inegável. De acordo com a Pew Research, em 2023, uma em cada dez pessoas nos Estados Unidos conheceu seu parceiro atual por meio de um aplicativo de namoro. A promessa de encontrar o “par perfeito” continua a seduzir, mas a busca pela compatibilidade ideal nunca deixou de ser um espelho das ansiedades e desejos de cada geração.
A história do namoro por computador não é apenas uma curiosidade tecnológica; é também um testemunho das mudanças sociais e culturais que marcaram o século XX. Ela nos lembra que, por trás de cada inovação, há um desejo humano profundo — o de encontrar conexão, pertencimento e, talvez, amor.