Leitura de História

Pastis: A história do aperitivo que conquistou a França

Descubra a história fascinante do pastis, o aperitivo que conquistou a França, e como Paul Ricard transformou esse licor em um ícone nacional.

Ah, a França! País de queijos maravilhosos, vinhos impecáveis e, claro, o aperitivo. Sim, o apéritif, aquele momento mágico em que o tempo para e todos, de repente, têm uma bebida na mão, celebrando a arte de viver, ou como dizem os franceses, o art de vivre. É difícil imaginar a vida francesa sem o ritual do aperitivo — uma pausa entre o fim do expediente e o jantar, quando amigos se reúnem em cafés e terraços para saborear um gole de algo refrescante.

Em um país onde cada região é orgulhosa de seus produtos locais, o conteúdo do copo de aperitivo varia tanto quanto os dialetos falados em suas ruas. Na Borgonha, reina o kir com aroma de cassis; na fronteira belga, a cerveja é a escolha natural; e em Marselha, o pastis — o licor de anis que se tornou sinônimo do sul ensolarado da França. O pastis não só domina o sul, como suas vendas representam um quinto de todos os destilados consumidos no país.

O declínio do absinto e a ascensão do pastis

A história do pastis começa com um pequeno escândalo e uma grande oportunidade de mercado. Até o início do século XX, o absinto era o queridinho dos boêmios, artistas e escritores. A “fada verde”, como era chamada, era a bebida favorita de gênios atormentados como Vincent van Gogh, Toulouse-Lautrec e Paul Verlaine. Mas a popularidade do absinto foi brutalmente interrompida em 1915, quando foi banido na França, acusado de levar à insanidade e causar comportamentos degenerados.

A epidemia de filoxera, que devastou os vinhedos franceses no século XIX, já havia preparado o terreno para o crescimento do absinto. Sem vinho, os franceses se voltaram para o licor de anis, adotando o ritual de diluir o absinto com água e açúcar. Com o banimento, os consumidores procuravam uma alternativa, e foi aí que entrou em cena o pastis.

Paul Ricard e a revolução do marketing

Embora o pastis seja produzido por diversas marcas, o nome Ricard tornou-se sinônimo da bebida. Paul Ricard, um marqueteiro visionário, transformou um simples licor regional em um ícone nacional. Lançando sua versão em 1932, Ricard apelou ao amor francês pelo terroir e contou a história de um caçador furtivo que conhecia cada erva das colinas provençais.

Ricard não parou por aí. Ele criou cartazes, copos de marca, cinzeiros e até chapéus de balde, consolidando a imagem do pastis como a bebida ensolarada de Marselha. Durante o Tour de France de 1948, ele distribuiu milhares de objetos promocionais, que hoje são itens de colecionador. O pandeiro de jarro dos anos 1950, conhecido como o “Santo Graal” para os colecionadores, pode valer até 4.000 euros nos mercados de pulgas franceses.

O ritual do pastis

Beber pastis não é apenas uma questão de sabor, mas um ritual. O licor é servido puro, e o bebedor o dilui a gosto com água de um pequeno jarro, até que a bebida assuma sua famosa tonalidade amarelo-turva. A simplicidade do preparo contrasta com o ritual mais complexo do absinto, tornando o pastis mais acessível.

As variações personalizadas também fazem parte do charme. Misture pastis com xarope de hortelã e você terá um perroquet (papagaio); com grenadine, vira um tomate; e com orgeat (xarope de amêndoas), transforma-se no clássico mauresque.

Pastis na cultura francesa

A hora do aperitivo acontece geralmente entre 18h e 19h30, quando as praças e cafés franceses se enchem de vida. Os clientes cuidam de um copo de pastis por uma hora, acompanhando a bebida com azeitonas ou batatas fritas. Não é sobre embriaguez, mas sobre conversa e convivência.

Apesar de seu perfil simples, o pastis continua a inspirar mixologistas modernos. Margot Lecarpentier, do bar Combat em Paris, mistura pastis com cachaça para realçar suas notas florais. Já Aurélie Panhelleux, do CopperBay, combina pastis com gim, suco de limão e orgeat com infusão de endro para criar um coquetel refrescante e contemporâneo.

Porém, segundo a autora Forest Collins, a tradição ainda domina. Noventa e cinco por cento dos franceses preferem seu pastis diluído com água e gelo, sem invencionices.

A onipresença do Ricard

Embora existam outras marcas, como Henri Bardouin e Distillerie de la Plaine, é Ricard que lidera as vendas. Em 2022, ele foi o produto mais vendido nos hipermercados franceses, superando até a Coca-Cola e a Nutella. Durante as festas de fim de ano de 2024, Ricard chegou a vender mais do que champanhe.

O segredo do sucesso? A combinação perfeita de sabor, tradição e marketing. Como bem disse Jacky Roussial, colecionador de itens da marca: “Eu não bebo pastis. Eu bebo Ricard.”

Referências Bibliográficas

  • Collins, Forest. Drink Like a Local: Paris. Cider Mill Press, 2019.
  • Delahaye, Marie-Claude. L’Absinthe: Histoire de la Fée Verte. Grancher, 1992.
  • Pernod-Ricard Archives. História e Evolução do Pastis, 2022.