O Cinturão da Bíblia é uma vasta região dos Estados Unidos onde a religião protestante, principalmente de vertente evangélica, influencia profundamente a cultura, política e a vida cotidiana de milhões de americanos. Neste território, que abrange grande parte do sul e centro-oeste do país, o cristianismo conservador molda não apenas a vida espiritual, mas também o cenário político. Uma característica marcante desse fenômeno é a crença crescente de que Donald Trump foi “enviado por Deus” para liderar a nação, uma convicção que encontra eco em muitas igrejas e comunidades religiosas locais.
Na pequena cidade de Elgin, Oklahoma, esse fenômeno é visível na figura do pastor Dusty Deevers, um homem que personifica a fusão entre religião e política no Cinturão da Bíblia. Em um típico domingo, Deevers lidera sua congregação em cânticos e sermões, mas sua missão vai além do púlpito. Como senador, ele também defende políticas que buscam alinhar a legislação americana com preceitos bíblicos, refletindo um movimento maior que visa transformar o país em uma nação cristã.
Essa visão de um governo baseado na moralidade cristã não é apenas uma interpretação religiosa, mas uma estratégia política clara. A agenda defendida por líderes como Deevers inclui a proibição do aborto, o combate à pornografia e a eliminação de impostos sobre renda e propriedade. Esses objetivos, considerados ultraconservadores, ganharam força dentro do Partido Republicano, especialmente durante os mandatos de Trump. Deevers, assim como muitos pastores na região, acredita que não há como separar a fé cristã da política, uma visão compartilhada por boa parte da população do Cinturão da Bíblia.
A Dualidade Política-Religiosa
A história de Deevers ilustra um fenômeno mais amplo no Cinturão da Bíblia, onde a intersecção entre política e religião é profunda e complexa. No sul dos Estados Unidos, onde a cultura protestante conservadora predomina, é comum encontrar líderes religiosos que ocupam cargos políticos, defendendo uma fusão entre governo e religião. Este fenômeno tem se intensificado com o aumento da influência dos evangélicos no Partido Republicano, especialmente após a eleição de Trump em 2016.
O próprio Trump, um empresário de Nova York com um histórico de vida pouco associado à religiosidade tradicional, conseguiu conquistar uma base fiel entre os cristãos conservadores, posicionando-se como um defensor dos valores morais tradicionais e prometendo nomear juízes conservadores para a Suprema Corte, o que culminou na revogação do direito federal ao aborto em 2022. Isso fortaleceu ainda mais o apoio evangélico, que vê em Trump um líder disposto a defender sua visão de mundo.
O Papel das Igrejas no Cinturão da Bíblia
No Cinturão da Bíblia, as igrejas desempenham um papel central na vida comunitária. Elas não são apenas espaços de culto, mas centros de poder e influência social. Pastores como Dusty Deevers e Aaron Hoffman, pai de cinco filhos que está se preparando para liderar uma nova igreja, não veem contradição em usar o púlpito como plataforma para promover suas visões políticas. Para eles, não faz sentido separar o cristianismo da política, pois acreditam que a fé deve guiar todas as áreas da vida, incluindo o governo.
Hoffman, por exemplo, afirma que as leis americanas deveriam ser baseadas nos ensinamentos bíblicos e que a sociedade se beneficiaria de uma maior integração entre religião e política. Sua crença reflete um sentimento comum entre muitos fiéis no Cinturão da Bíblia: a ideia de que os Estados Unidos devem retornar às suas raízes cristãs, deixando de lado as influências seculares que, segundo eles, têm corrompido a nação.
As Escolas como Campo de Batalha
Um dos terrenos mais acirrados dessa batalha entre religião e secularismo no Cinturão da Bíblia são as escolas públicas. Em Estados como Oklahoma, a tensão entre a promoção de valores cristãos e a defesa da separação entre Igreja e Estado tem sido evidenciada por medidas polêmicas, como a ordem de tornar o ensino da Bíblia obrigatório nas escolas públicas, emitida em junho de 2023. Essa medida gerou revolta entre professores e pais, que temem que a liberdade religiosa esteja sendo violada.
Apesar de muitos defensores da fé acreditarem que o ensino da Bíblia pode trazer benefícios morais para todos os alunos, independentemente de sua crença religiosa, críticos argumentam que essa imposição viola o princípio constitucional de separação entre Igreja e Estado. A educadora Susie Stephenson, embora seja cristã, deixou seu cargo em protesto contra a decisão, afirmando que, apesar de sua fé pessoal, não acredita que o governo deva impor uma interpretação religiosa específica nas escolas públicas.
Nacionalismo Cristão e o Futuro dos EUA
O fenômeno conhecido como nacionalismo cristão tem ganhado força nos Estados Unidos, especialmente no Cinturão da Bíblia. Segundo Samuel Pery, especialista no tema, o nacionalismo cristão promove a fusão entre a vida civil e uma identidade cultural anglo-protestante conservadora. Para muitos, trata-se de uma resposta ao que percebem como uma perda de influência dos cristãos brancos na sociedade americana. Através de igrejas e líderes religiosos, esse movimento busca restaurar a hegemonia de uma visão cristã conservadora nas políticas públicas.
O nacionalismo cristão não é apenas uma ideologia religiosa, mas também uma estratégia política, usada para galvanizar eleitores que se sentem marginalizados por mudanças sociais e culturais recentes. A vitória de Trump em 2016 foi vista por muitos como um sinal de que essa estratégia pode ser eficaz, e sua reeleição é vista como crucial para a continuidade desse projeto político-religioso.
Trump como “Enviado de Deus”
Entre os pastores do Cinturão da Bíblia, não é incomum ouvir que Trump foi “enviado por Deus” para governar os Estados Unidos. Jackson Lahmeyer, fundador do grupo Pastors4Trump, acredita que a presidência de Trump foi parte de um plano divino e que sua sobrevivência a uma tentativa de assassinato em julho de 2023 foi um “milagre”. Esse tipo de retórica fortalece a ideia de que Trump é o líder escolhido para guiar o país de volta a uma era de valores cristãos tradicionais.
Paul Blair, outro pastor influente em Oklahoma, compartilha dessa visão. Ele acredita que os cristãos devem ter um papel ativo na política e que a Igreja não deve ser controlada pelo governo, mas sim influenciar as decisões governamentais. Blair, assim como muitos de seus colegas, vê na reeleição de Trump uma oportunidade para consolidar as conquistas da direita cristã e reverter as mudanças progressistas que ameaçam, em sua visão, a moralidade da nação.