Leitura de História

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Sexualidade na Idade Média: Fatos Surpreendentes e Reais

A Idade Média é frequentemente evocada em nossa imaginação através dos reinos de cavaleiros e castelos, justas e banquetes, cruzados e reis. No entanto, um aspecto fundamental da experiência humana muitas vezes fica à margem das representações tradicionais desse período: a sexualidade. Embora o contexto medieval tenha moldado a forma como o sexo era percebido e vivido, a história sexual da Idade Média revela uma complexidade que contrasta fortemente com os estereótipos modernos. Neste artigo, exploraremos cinco aspectos surpreendentes sobre a sexualidade na Idade Média, oferecendo uma visão mais profunda e esclarecedora desse tema frequentemente negligenciado.

1. A Conceituação Medieval da Reprodução e a Importância do Orgasm

Na Idade Média, as concepções sobre reprodução eram marcadamente diferentes das ideias modernas. Baseando-se em teorias antigas, principalmente a do médico romano Galeno de Pérgamo, acreditava-se que tanto o sêmen masculino quanto o feminino eram necessários para a concepção. Galeno propôs a teoria das “duas sementes”, sugerindo que o orgasmo de ambos os parceiros era essencial para o sucesso da concepção. Esta visão colocava um grande peso no prazer sexual, que era visto como crucial para a procriação.

No entanto, a Igreja Católica tinha uma perspectiva ambígua sobre o prazer sexual. Enquanto o prazer era reconhecido como necessário para a concepção, muitos teólogos viam o prazer em si como um pecado. Santo Agostinho, por exemplo, associava o prazer sexual à Queda do Homem, enquanto Tomás de Aquino condenava os comportamentos sexuais excessivos, como “beijos lascivos e abraços vergonhosos”, como moralmente perigosos. A combinação dessa visão moral com as crenças científicas da época criou uma tensão significativa. A teoria das duas sementes, embora baseada em conceitos antigos, encontrava-se em conflito com as doutrinas cristãs rigorosas sobre o prazer e a moralidade sexual.

Ademais, a interpretação da sexualidade teve consequências sombrias para as mulheres, especialmente em casos de violência sexual. Se uma mulher era estuprada e engravidou, a alegação de que ela havia desfrutado do ato poderia resultar na rejeição de sua queixa, conforme a crença de que ela teria atingido o orgasmo, assim como o agressor.

2. A Concepção da Sodomia e a Realidade da Vida Sexual

Para a Igreja, qualquer forma de sexo que não tivesse a finalidade direta de procriação era considerada sodomia. Isso incluía todas as práticas sexuais que não se destinavam exclusivamente à reprodução. Sexo fora dos parâmetros estabelecidos pela Igreja era visto como moralmente corrupto e era frequentemente rotulado como sodomia. As regras eram estritas: o sexo não procriativo era proibido durante os domingos, feriados, Quaresma e Natal.

No entanto, a presença da Igreja na vida cotidiana não era uniforme. Em muitos casos, as normas e proibições religiosas eram ignoradas pela população geral. A cultura do amor cortês, que floresceu entre as classes altas, frequentemente separava o casamento do romance. Homens e mulheres casados frequentemente buscavam relacionamentos extraconjugais e práticas sexuais que não resultaram em gravidez. Essas práticas eram geralmente constituídas de preliminares e atos sexuais destinados ao prazer, em vez de à reprodução.

3. Brinquedos Sexuais e a Prática de Penitência

Embora o uso de brinquedos sexuais possa parecer surpreendente para alguns, ele era relativamente comum na Idade Média. Evidências históricas, como recibos de trabalhadores de couro, mostram a produção de dildos, muitas vezes destinados ao uso em relacionamentos lésbicos. Esses brinquedos eram frequentemente mencionados em penitenciais, que eram manuais para a confissão e a penitência, fornecendo orientações aos sacerdotes sobre como lidar com diversos pecados.

Um exemplo é o penitencial de Burchard de Worms, que descrevia a penitência para aqueles que usavam dispositivos sexuais artificiais. O uso de tais brinquedos sexuais era frequentemente associado a práticas que a Igreja considerava sodomitas, embora a terminologia moderna de homossexualidade não existisse. A masturbação e o uso de brinquedos sexuais eram frequentemente agrupados sob o mesmo rótulo de sodomia, refletindo uma visão uniforme sobre práticas sexuais não procriativas.

4. O Desejo Sexual como um Traço Feminino

Contrariando os estereótipos modernos, o desejo sexual intenso era visto como um traço tipicamente feminino na Idade Média. As mulheres eram frequentemente consideradas sexualmente insaciáveis, usadas como símbolos da tentação e do pecado. A crença era de que as mulheres, por serem mais emotivas e suscetíveis às suas paixões, eram mais inclinadas ao comportamento sexual impetuoso.

Em contraste, os homens eram vistos como mais racionais e capazes de resistir às tentações. O desejo sexual excessivo nos homens era até associado a uma falta de masculinidade, refletindo um estereótipo de que a masculinidade verdadeira era caracterizada pela contenção e pela razão. As mulheres, portanto, eram estigmatizadas por seus desejos sexuais, enquanto os homens eram idealizados por sua suposta capacidade de controlar esses impulsos.

5. O Papel dos Profissionais do Sexo na Sociedade Medieval

Curiosamente, o trabalho sexual na Idade Média não era apenas aceito, mas considerado essencial para a manutenção da ordem social. A Igreja Católica via o trabalho sexual como um “mal necessário” para evitar a violência e a desordem. Tomás de Aquino fez uma analogia entre o trabalho sexual e os esgotos, sugerindo que, sem ele, a sociedade se tornaria impura e caótica.

Profissionais do sexo eram regulamentados em várias cidades, e os bordéis eram muitas vezes situados fora das muralhas da cidade para evitar a interação direta com a população respeitável. Em Londres, por exemplo, as prostitutas conhecidas como “Winchester Geese” eram licenciadas pelo Bispo de Winchester, embora fossem estigmatizadas e muitas vezes forçadas a usar roupas distintivas.

Apesar de sua aceitação, os profissionais do sexo enfrentavam estigmas significativos e eram frequentemente excluídos da sociedade. Aqueles que desejavam deixar a profissão podiam buscar perdão e reintegração através da penitência e do casamento, muitas vezes sendo aceitos em comunidades religiosas. Contudo, aqueles que não se formavam eram enterrados em terrenos não consagrados, como o Cemitério Cross Bones, refletindo a ambivalência da sociedade medieval em relação a essa profissão.



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