Em uma das cavernas pré-históricas de Rouffignac, na França, repousa uma intrigante pintura rupestre com cerca de 13 mil anos. A imagem revela o perfil de uma criatura semelhante a um touro, com um imponente chifre único centralizado na testa. Esta figura primitiva, criada por artistas de um passado longínquo, remonta a um momento em que humanos exploravam, e talvez adoravam, os segredos do mundo animal, lançando as bases para a figura mítica do unicórnio que atravessaria culturas e milênios.
As lendas de uma criatura de um único chifre, um “unicórnio”, circulam há milhares de anos em culturas tão distantes quanto China e Índia. Na antiga China, o unicórnio – ou qilin – era visto como um símbolo de nobreza e sabedoria. Nas histórias clássicas, este animal de grande porte e chifre imponente era associado à realeza e às virtudes do imperador. Não por acaso, diversas ilustrações de qilins adornavam pavilhões imperiais, e seu papel simbólico aparece ainda em narrativas da vida de Confúcio, representando o portador de justiça e pureza.
Na civilização do Vale do Indo, que floresceu entre 2600 e 1900 a.C. nas cidades de Mohenjo-Daro e Harappa, selos de argila representavam figuras com corpos robustos, parecidos com touros ou auroques, e adornadas com um único chifre. Curiosamente, o unicórnio aparece não só na iconografia desses povos, mas também nos textos épicos da Índia, como o Mahabharata e o Ramayana, onde se narra a existência de um misterioso animal de chifre único chamado “rshya” em sânscrito. Nos primeiros textos budistas, essa figura recebe o nome Ekashringa, literalmente “unicórnio”. Este termo é talvez uma das primeiras menções literárias de um animal que cruzava fronteiras culturais e chegaria ao Ocidente através dos relatos das conquistas de Alexandre, o Grande, e das traduções gregas de textos sagrados orientais.
A Grécia Antiga, entretanto, não possuía em sua mitologia autóctone menções ao unicórnio. Mesmo assim, por volta do século V a.C., o médico e historiador grego Ctésias de Cnido escreveu sobre uma estranha criatura indiana de corpo branco, cabeça vermelha e olhos azuis, com um poderoso chifre cuja função, acreditava-se, incluía propriedades curativas e antídotos contra venenos. Catexias nunca teria visto um unicórnio pessoalmente, mas relatou informações que circulavam na Ásia, ajudando a disseminar a ideia da criatura no Ocidente.
A iconografia do unicórnio ressurge de forma significativa na Europa durante a Idade Média, com uma nova roupagem cristã. As figuras de unicórnios simbolizavam virtudes como pureza e castidade, sendo associadas à Virgem Maria. Tapeçarias e emblemas em brasões exaltavam o unicórnio como emblema espiritual, e ele se tornou parte da heráldica de reinos e impérios, permanecendo até hoje nos brasões da Escócia, Canadá e Reino Unido.
Entre os séculos XV e XVIII, surgiram “evidências” físicas que deram nova força à lenda. Marfim de narval, uma espécie de baleia com uma presa em espiral que vive em águas árticas, era comercializado como sendo chifres de unicórnios, convencendo muitos da autenticidade da criatura. Esse mercado também atribuiu a tais chifres propriedades místicas, como cura de doenças e proteção contra envenenamento.
Com o advento da ciência natural no século XIX, surgiu uma nova reviravolta para o mito do unicórnio. Em 1808, o naturalista Johann Fischer von Waldheim apresentou o maxilar de uma espécie extinta, o Elasmotherium, ou “Unicórnio Siberiano”. Este animal, um rinoceronte gigante de até quatro metros de comprimento e quatro toneladas, teria habitado a região da Eurásia entre o final do Plioceno e o Pleistoceno. Com cerca de dois metros de altura e coberto de pelos grossos, esse “unicórnio” siberiano poderia ser a verdadeira fonte de alguns dos mitos antigos.
Com o passar das décadas, fragmentos adicionais de fósseis foram descobertos, revelando quatro espécies principais de Elasmotherium: E. caucasicum, E. chaprovicum, E. sibiricum e E. peii. A mais conhecida delas, Elasmotherium sibiricum, é a que mais se assemelha ao retrato de um unicórnio siberiano, com uma saliência no crânio que teria sustentado um grande chifre. No entanto, a existência do chifre é tema de debates entre paleontólogos, pois nenhum fragmento deste chifre foi encontrado preservado.
Em 2016, um crânio excepcionalmente bem preservado de Elasmotherium foi encontrado em Pavlodar, no Cazaquistão, datado de cerca de 39 mil anos. Esse fóssil sugere que os unicórnios siberianos poderiam ter coexistido com os primeiros humanos modernos, contribuindo para os primeiros relatos sobre criaturas de chifres únicos na região da Ásia Central.
A vida desses animais nas planícies siberianas permanece envolta em mistério. Sabemos que eles habitavam áreas que hoje pertencem à Ucrânia, Rússia, China, Cazaquistão, Turcomenistão e Uzbequistão. As planícies, ricas em gramíneas e vegetação rasteira, foram o lar perfeito para esses herbívoros. Um relato coletado em 1886 pelo folclorista russo Vasily Radlov narra uma lenda yakuta sobre um grande touro negro com um único chifre, tão impressionante que seu chifre teria precisado ser transportado por um trenó, reforçando a influência dessas criaturas no imaginário cultural da região.
O motivo de sua extinção é debatido: teorias sugerem mudanças climáticas abruptas ou competição com humanos pela vegetação disponível. Recentemente, análises de DNA de Elasmotherium sibiricum revelaram que ele divergiu de outras espécies de rinocerontes há aproximadamente 43 milhões de anos, consolidando-se como uma linhagem única, cujo último membro foi o “unicórnio siberiano”.
Mas, como em todas as grandes lendas, o mito dos unicórnios permanece vivo e poderoso. Se o Elasmotherium inspirou, ou não, as primeiras narrativas de unicórnios na Índia e na China, é uma questão que podemos apenas imaginar. E, ironicamente, a crença no poder curativo do chifre de unicórnio, difundida desde Ctesias, sobrevive até hoje no tráfico ilegal de chifres de rinocerontes, com impacto devastador para espécies ameaçadas.