Ao longo da história, poucos monumentos carregam tanto fascínio e mistério quanto a Grande Esfinge de Gizé. Esta colossal estrutura, com 20 metros de altura e 73 metros de comprimento, é uma das relíquias mais enigmáticas do Egito antigo, evocando perguntas que atravessam gerações. Um dos pontos mais debatidos, tanto por historiadores quanto por arqueólogos, não diz respeito apenas à sua construção, mas à intrigante ausência de seu nariz. A pergunta que ecoa por séculos é: quem quebrou o nariz da Esfinge e por quê?
A Esfinge, que se acredita ter sido construída por volta de 2600 a.C. sob o reinado do faraó Khafre, vigia silenciosamente o platô de Gizé há mais de 4.500 anos. Seu corpo de leão, símbolo de força, e sua cabeça humana, representando inteligência, personificam o poderio dos faraós. Mas, apesar de sua imponência, a estrutura já passou por séculos de erosão e destruição. A remoção do nariz é, talvez, a mutilação mais famosa, o que gerou várias teorias e lendas.
A Esfinge e o Simbolismo de Sua Perda
Antes de mergulharmos nas teorias sobre a remoção do nariz, vale a pena refletir sobre a simbologia da Esfinge no antigo Egito. Representações de esfinges eram comuns em tumbas e templos, funcionando como guardiãs espirituais. O próprio Khafre, para quem a Grande Esfinge foi esculpida, talvez tenha vislumbrado a criatura como uma extensão de seu poder, imortalizando sua autoridade ao longo das eras. Dessa forma, a mutilação de seu rosto não seria apenas um ato de vandalismo físico, mas uma afronta ao legado de um dos maiores reis do Egito.
Teorias e Mitos sobre a Remoção do Nariz
Uma das lendas mais populares atribui a destruição do nariz ao exército de Napoleão Bonaparte, que teria usado a Esfinge como alvo de tiro durante a campanha francesa no Egito, em 1798. No entanto, essa versão da história foi amplamente desacreditada por fontes históricas. Um desenho feito pelo capitão dinamarquês Frederic Louis Norden em 1737 – antes da chegada dos franceses – já retratava a Esfinge sem nariz. O mito, embora atraente, não resiste à investigação factual.
Outras teorias apontam para o Sufi Muhammad Sa’im al-Dahr, que, de acordo com o historiador árabe al-Maqrīzī, teria mutilado a Esfinge em 1378. A razão para isso estaria enraizada no descontentamento de al-Dahr com os camponeses locais, que faziam oferendas à estátua em busca de boas colheitas. Nesse contexto, a mutilação da Esfinge pode ser vista como um ato de iconoclastia, uma tentativa de apagar as práticas pagãs em uma sociedade cada vez mais islâmica. Além disso, a narrativa de que a “vingança celestial” se manifestou no avanço das areias sobre o platô de Gizé revela a profunda ligação entre religião e mitologia na explicação dos eventos históricos.
A Verdade por Trás do Nariz Perdido
Apesar das várias lendas, estudos arqueológicos modernos indicam que o nariz foi removido deliberadamente entre os séculos III e X d.C. O arqueólogo Mark Lehner conduziu um estudo detalhado da Esfinge e encontrou evidências de que instrumentos de metal foram usados para arrancar o nariz, sugerindo que o dano foi intencional. As razões para tal ato, no entanto, permanecem incertas. Poderia ter sido um ataque iconoclasta durante o auge do cristianismo copta no Egito ou até uma tentativa de remover o poder simbólico da estátua.
A Desfiguração da Esfinge e Seu Impacto Cultural
Além do nariz, outras partes da Esfinge também foram danificadas ao longo do tempo. A barba cerimonial, que possivelmente foi adicionada após a construção original, caiu em algum ponto, embora fragmentos dela estejam hoje preservados no Museu Britânico e no Museu Egípcio no Cairo. Esses pedaços da Esfinge são lembranças tangíveis de um passado distante, mas também são marcas da contínua erosão e destruição, causada tanto por fatores naturais quanto por ações humanas.
A remoção do nariz, portanto, deve ser entendida não apenas como um ato isolado de vandalismo, mas como parte de uma longa história de transformações e adaptações culturais. A Esfinge, assim como outras relíquias antigas, passou por várias fases de interpretação, sendo moldada não apenas pelas condições climáticas, mas pelas mudanças sociais, políticas e religiosas ao longo dos milênios.
Por que a Esfinge Continua a Fascinar?
A remoção do nariz da Esfinge é um dos muitos mistérios que cercam este monumento. No entanto, talvez o aspecto mais intrigante seja o fato de que, apesar de sua mutilação, a Esfinge continua a ser um símbolo poderoso. Sua imponência, mesmo incompleta, atrai milhões de visitantes e estudiosos anualmente, inspirando tanto fascinação quanto teorias.
De fato, a Esfinge permanece um símbolo de resistência. Ela resistiu às invasões romanas, às campanhas islâmicas e aos impérios europeus, testemunhando a ascensão e queda de civilizações. Sua mutilação pode até ter sido um golpe simbólico, mas a Esfinge continua a desafiar o tempo, mantendo-se firme em sua guarda silenciosa.
A busca pela verdade por trás da remoção do nariz da Esfinge, embora repleta de lendas e teorias, é um reflexo do desejo humano de compreender o passado. Assim como a Esfinge vigia o horizonte desértico de Gizé, nós também olhamos para trás, tentando desvendar os mistérios que definem a nossa história. Seja a ação de um iconoclasta sufi, uma vingança divina ou uma simples ação do tempo, a verdade sobre o nariz da Esfinge permanece envolta em mistério. E, assim, a Esfinge, mesmo mutilada, segue sendo um enigma perpétuo para o Egito e para o mundo.