Descubra os vestígios do navio Camargo, símbolo da pirataria de escravos no Brasil, revelando histórias profundas de um passado sombrio.
A descoberta de vestígios que possivelmente pertencem a um dos últimos e mais emblemáticos navios escravagistas que aportaram no Brasil, em 1852, lança luz sobre uma página sombria da história do país.
O brigue denominado Camargo, utilizado para contrabandear aproximadamente 500 indivíduos de Moçambique, na África, para as fazendas de café do Vale do Paraíba, emerge como um marco significativo nesse contexto histórico.
A proibição do tráfico de escravos, estabelecida pela Lei Eusébio de Queirós dois anos antes da chegada do Camargo, marcou uma virada crucial na legislação brasileira, classificando o transporte de escravizados como pirataria.
Entretanto, o desembarque clandestino das pessoas capturadas em terras africanas e sua exploração em terras brasileiras demonstram a persistência desse crime hediondo mesmo após a legislação proibitiva.
O capitão norte-americano Nathaniel Gordon, figura central nesse episódio, exemplifica a impunidade que permeava o comércio ilegal de escravos na época.
Ao desembarcar os cativos no porto de Bracuí, em Angra dos Reis (RJ), e posteriormente incendiar o navio Camargo para destruir evidências, Gordon escapou das mãos da justiça brasileira.
No entanto, sua trajetória criminosa chegou ao fim em solo americano, quando foi condenado à morte por enforcamento em Nova York, em 1862.
A descoberta dos vestígios do Camargo, em dezembro de 2023, representa um marco na investigação histórica e arqueológica desse período.
Os registros desses vestígios no Cadastro de Sítios Arqueológicos do Iphan, realizados pelo Instituto AfrOrigens em colaboração com a Universidade Federal de Sergipe, evidenciam a importância desse achado para a compreensão da história da escravidão no Brasil.
O coordenador científico das pesquisas, Gilson Rambelli, ressalta a complexidade do processo de análise dos materiais recolhidos e a importância de se obter evidências conclusivas.
A colaboração com a Universidade Federal Fluminense no estudo da arquitetura naval e na pesquisa histórica busca fornecer um panorama abrangente das condições em que ocorreu o tráfico de escravos e a utilização do navio Camargo.
A investigação busca preencher lacunas na história deste trágico episódio, revelando detalhes sobre a capacidade do navio e o perfil das pessoas transportadas.
Os relatos de que a maioria dos indivíduos resgatados era composta por crianças e adolescentes, muitos deles com idades entre 13 e 14 anos, evidenciam a brutalidade e a desumanidade do comércio de escravos.
Além da análise dos vestígios materiais, a pesquisa histórica em arquivos visa fornecer insights sobre as circunstâncias do desembarque clandestino em Bracuí e as medidas de fiscalização adotadas na época.
A professora Martha Abreu, do Departamento de História da UFF, destaca a importância de se reconstruir integralmente essa parte da história para compreender as dinâmicas sociais e políticas da época.
A busca pelos restos do navio Camargo representa não apenas uma investigação arqueológica, mas também um esforço para resgatar a memória das vítimas do tráfico de escravos e reconhecer as injustiças cometidas.
O registro desses vestígios nos arquivos históricos e o desenvolvimento de um filme sobre o traficante Nathaniel Gordon contribuem para manter viva a memória desse capítulo sombrio da história das relações entre o Brasil e os Estados Unidos.
Em suma, a descoberta dos vestígios do navio Camargo é mais do que uma mera revelação arqueológica; é um lembrete doloroso da barbárie da escravidão e da luta contínua pela justiça e pela memória histórica.